Essencialmente, no drama familiar 35 Doses de Rum, Claire Denis reproduz o cinema de Yasujiro Ozu.
De fato, ao acompanhar sem pressa o cotidiano do relacionamento entre Lionel e sua filha Joséphine, 35 Doses de Rum se aproxima dos vários shomin-gekis (filmes sobre pessoas comuns) de Ozu. Como se pode observar, o retrato de fatos corriqueiros, em ritmo próximo à vida real, é semelhante, com a diferença do ambiente. Afinal, Claire Denis filma em Paris, em 2008, e não no Japão de meados do século 20, com os esperados reflexos dessa distinção.
Além disso, o pai Lionel não está na missão de arranjar um casamento para a filha, preocupação inerente dos personagens da mesma posição nos dramas japoneses de Ozu. Pelo contrário, o francês gostaria de manter a filha em casa por mais tempo. E Joséphine é sua melhor companhia desde a partida da esposa.
Pai e filha
Sem momentos de alta dramaticidade, 35 Doses de Rum apresenta situações importantes no relacionamento do pai com a filha, pois serão as últimas juntos, como o final revelará. Por isso, a troca de carinhos entre eles é constante, mas Lionel descobre uma velada declaração de amor de Joséphine no epílogo do filme. Ele encontra a panela elétrica de arroz nova que a filha havia comprado e escondido para não estragar o presente que ele deu a ela.
Aliás, essa panela é um detalhe que parece homenagear o cineasta japonês, pois o arroz é parte essencial da alimentação do seu país, e não da culinária francesa.
Claire Denis foge da tentação de copiar o estilo marcante de Ozu, como faz Hou Hsiao-Hsien em Café Lumière. Em seu filme, a diretora francesa não insere o enquadramento baixo e os planos fixos de Ozu, apenas utiliza, em pequenas doses, as pillow shots. São os planos de objetos ou paisagens que servem para o espectador ter tempo de assimilar o que assistiu na cena anterior.
A compreensão dessa intenção de Claire Denis é vital para apreciar 35 Doses de Rum.
