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50º Festival Sesc Melhores Filmes homenageia Eduardo Coutinho

Cena do filme "Eduardo Coutinho, 7 de Outubro"
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Eduardo Coutinho, o principal documentarista brasileiro, morreu em 2014. Em 02 de fevereiro de 2024, completaram-se dez anos de sua partida. E o 50° Festival Sesc Melhores Filmes homenageia o cineasta no dia 10/04, num encontro entre o público e profissionais do audiovisual, no saguão do CineSesc, em São Paulo, a partir das 18h.

Na ocasião, serão exibidos dois importantes filmes de Coutinho: Jogo de Cena (2007) e Cabra Marcado para Morrer (1984). O encontro contará com a participação de Carlos Nader que dirigiu um documentário sobre o homenageado, intitulado Eduardo Coutinho, 7 de Outubro (2013).

“Eduardo Coutinho, 7 de Outubro”

Eduardo Coutinho, 7 de Outubro está disponível na plataforma digital Sesc CinemaemCasa. Nele, de frente para as câmeras, o cineasta discorre sobre seu processo criativo.

A proposta que introduz a entrevista é “falar sobre a verdade da filmagem e não a filmagem da verdade”. Em suma, por que fazer documentário e não ficção? E, na sequência, desenrola-se a reflexão conceitual sobre essas categorias fílmicas, a partir de segmentos de alguns filmes de Coutinho.

Carlos Nader, em algumas ocasiões, ofereceu elementos para essa discussão. Em princípio, giram em torno da oposição entre realidade e ficção e a noção de verdade. Segundo ele, é enganoso contrapor as “coisas do mundo”, ditas “reais” ou “factuais”, com uma abordagem dita ficcional, porque aquelas, uma vez filmadas, deixam de ser “coisas do mundo”, e passam a ser filmes. Evoluindo nessa direção, Carlos Nader chega ao extremo de considerar: “documentário é ficção”. (Referência digital: Carlos Nader. Documentário é ficção? E como ficam os fatos de um documentário?, Navega Rotas Criativas, 30/09/2020).

No fundo, essas considerações todas equivalem às discussões, entre historiadores, sobre fato histórico e o alcance limitado da verdade, da totalidade, em um dado processo histórico. Equivale dizer que o fator subjetividade de quem discorre sobre uma dada realidade está sempre presente, por isso a realidade é sempre representação, discurso, linguagem portanto. 

“Jogo de Cena” 

O documentário Jogo de Cena é, a meu ver, a corporificação desses contrapontos, pois Coutinho vem sugerir que as categorias estão, sem sombra de dúvida, embaralhadas. 

E de que forma magistral Coutinho abordou esse aspecto? Bisando o discurso. Isso mesmo: ao repetir o relato de pessoas desconhecidas, curiosamente sempre mulheres, por atrizes. E o bonito é que Coutinho intercala as falas para gerar a força da dúvida: ora se inicia com o discurso dito “real”, ora com o discurso encenado. Ah, e as entrevistas ocorrem num palco de teatro, para que a dimensão “representação do real” nunca se perca.  Jogo de cena, verdadeiramente belo. É, ou não é, coisa de mestre?

“Cabra Marcado para Morrer”

Em Cabra Marcado para Morrerhá um outro aspecto que me parece importante: a maneira como Coutinho trabalhou a questão da Memória, uma categoria conceitual tão cara aos profissionais da História. Porque, para além do fato de que, tanto na apreensão da realidade quanto no cinema, sempre estamos na esfera da construção por meio do discurso, não podemos esquecer de um outro ponto central que é o caráter fragmentário da Memória: ou seja, o fato de que ela, além de subjetiva, é sempre parcial e seletiva.

Explicitando essa complexa situação em relação a Cabra Marcado para Morrer: Eduardo Coutinho tinha como objetivo recompor a história de João Pedro Teixeira, assassinado em 1962, de sua família e a dos camponeses reunidos nas Ligas Camponesas da Paraíba e de Pernambuco. Isso aconteceu em dois momentos diferentes: em 1964, quando iniciou um filme ficcional, com base em uma história real, interrompido pelo Golpe de 1964; e em 1981, quando retomou as filmagens, mas agora numa abordagem diferente, ou seja, no formato documentário.

Só que Coutinho mesclou ambos. Devido a isso, o Cabra Marcado para Morrer, que foi finalmente lançado em 1984, expõe uma dupla fragmentação: aquela própria do discurso da Memória e o fato de que ele insere fragmentos do primeiro no segundo filme. E, como se não bastasse, lembremos, como foi dito acima, que os dois filmes são de partidos diferentes. (Referência digital: Solange Peirão. Cabra Marcado para Morrer, A terra é redonda, 31/03/2024).

Só mesmo privilegiados dão conta de situações tão diversas, com competência.  E de forma bem-humorada. Uma das frases de Coutinho em Eduardo Coutinho, 7 de Outubro: “As pessoas vão ao cinema assistir gente falando? É um absurdo! E é esse absurdo que me mantém vivo.”

Texto de Solange Peirão, historiadora, e diretora da Solar Pesquisas de História

(foto: “Eduardo Coutinho, 7 de Outubro”)

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