Filme de estreia da dupla Marguerite de Hillerin e Félix Dutilloy-Liégeois, A Criança (L’Enfant) desafia o espectador a decifrar a sua narrativa. Sua trama não é tão simples como pode parecer a princípio. Os relacionamentos envolvendo os personagens escondem segredos que o enredo não entrega de mão beijada. É como se quisesse colocar o público na mesma situação do protagonista Bela, que descobre aos poucos a verdade por trás de sua origem, essencial para definir o futuro que lhe querem impor. Percebemos que o rapaz se sente uma vítima, traído pelas pessoas queridas que lhe ocultaram por anos quem ele realmente é.
A história se passa em meados do século 16, em Portugal. Bela caminha para o destino que a família que o adotou planejou. Ele se casará com uma jovem de sua classe, embora ele ame Rosa, que está destinada para a Igreja. Então, a morte da noiva que ele não ama abre os caminhos para o amor verdadeiro por Rosa, mas o destino do casal sofre interferência de terceiros. Enquanto isso, chega Jacques, um amigo francês de seus pais. Um triângulo amoroso consensual, um caso do passado, paixões frustradas, desejos incontroláveis, separação, loucura…
Cabe ao público se esforçar para tirar as suas conclusões em uma narrativa que mais esconde do que revela. Pouco é expresso, por isso cada espectador pode tirar uma conclusão diferente do outro diante das imagens que vê na tela. É um risco que os seus realizadores correm, mas com isso ganham a atenção de quem assiste.
Um filme mais português que francês
Sob outro aspecto, A Criança é uma coprodução de Portugal e França, mas o cinema português se sobressai. Isso porque a iluminação natural se destaca, num belo trabalho do experiente diretor de fotografia Mário Barroso. Além disso, as filmagens em locações com algumas ruínas reforçam a caracterização de época, embora o espectador mais uma vez precise se esforçar, desta vez para se abstrair do fato de que essas construções ainda não eram ruínas nos tempos em que a história se desenrola. No mais, a reconstituição confia nos figurinos e nalguns objetos antigos como bastantes para a regressão no tempo.
Enfim, ficamos satisfeitos com A Criança, por ser uma estreia de diretores que bebem da escola portuguesa de cinema. E sem medo de se arriscarem em uma narrativa enigmática. Futuros trabalhos revelarão do que eles são realmente capazes.
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Ficha técnica:
A Criança | L’Enfant | 2022 | Portugal, França | 110 min | Direção e roteiro: Marguerite de Hillerin, Félix Dutilloy-Liégeois | Elenco: Grégory Gadebois, João Arrais, Maria João Pinho, Loïc Corbery, Inês Pires Tavares, Alba Baptista.
Este filme está na programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que acontece entre 20 de outubro e 2 de novembro de 2022.
