“A Dama Oculta” é um filme da fase inglesa de Alfred Hitchcock. Ele revisita o tema de espionagem do seu elogiado “39 Degraus” (The 39 Steps, 1935). Desta vez, o diretor adiciona muita ação e comédia à trama.
Na primeira parte de “A Dama Oculta”, acompanhamos os vários personagens da estória. Em tom cômico, eles tentam se ajeitar para se acomodarem num hotel lotado porque o trem onde viajariam se atrasa até a manhã seguinte por causa da neve. O humor surge da necessidade de desconhecidos partilharem o mesmo quarto durante uma noite, inclusive homens e mulheres. É a situação enfrentada por Iris (Margaret Lockwood) e Gilbert (Michael Redgrave), que, obviamente, se desentendem. Melhor sorte tem a Srª Froy, que consegue pernoitar em um quarto sozinha, devido à idade.
A segunda parte se passa inteiramente dentro do trem. O cenário claustrofóbico intensifica a angústia de Iris, enquanto investiga o sumiço da Srª Froy, que desaparece enquanto a jovem cochila. Todos os demais passageiros e funcionários do trem afirmam que essa senhora nunca esteve a bordo, e que Iris sofre uma alucinação devido a um vaso que caiu sobre sua cabeça enquanto estavam na estação. O único que acredita nela é justamente Gilbert. Juntos, descobrem um plano bem sinistro de espionagem.
O detalhe que faz a diferença
Hitchcock repete o truque do detalhe que esclarece o mistério. Em “39 Degraus”, era a falta de um dos dedos da mão do personagem. Em “Jovem e Inocente” (Young and Innocent, 1937), o cacoete de piscar os olhos. Desta vez, em “A Dama Oculta”, o nome que a Srª Froy escreve na janela do trem, oportunidade para Hitchcock trabalhar seu método de suspense preferido. Os espectadores veem o nome escrito, mas os personagens demoram para perceber. Outro detalhe nesse filme é a embalagem do chá Harriman, uma marca não oferecida pelo restaurante do trem e que a velha senhora traz consigo e pede para que preparem para ela.
Há várias cenas de ação pura no filme, muitas lutas e tiroteios, que fogem do que acostumamos ver na obra de Hitchcock. A briga de Gilbert e Iris contra o mágico remete às aventuras que inspiraram Steven Spielberg nos longas com o personagem Indiana Jones. Michael Redgrave, nessas cenas, é um precursor do estilo de Harrison Ford, proferindo tiradas humorísticas enquanto luta. O que impressiona também é a grande quantidade de personagens que morrem no filme, principalmente no tiroteio final.
Aliás, o trio de protagonistas merece destaque. Michael Redgrave dá a vida a um charmoso sedutor que não hesita em vestir o boné de herói salvador. A belíssima Margaret Lockwood alterna momentos de angústia com outros de coragem, e convence em suas dúvidas sobre sua própria sanidade. Já Dame May Whitty, que se tornaria preferida de Hitchcock, aqui está perfeita como a adorável dama oculta.
Em busca da identidade
Por fim, “A Dama Oculta” foge das características de Hitchcock. Ou, melhor dizendo, o futuro mestre do suspense ainda buscava sua identidade. Diante do resultado deste filme, a mescla de suspense, humor e ação em doses maiores desses dois últimos gêneros, essa via mais leve poderia também ter elevado o diretor a mestre.
Ficha técnica:
A Dama Oculta (The Lady Vanishes, 1938) Reino Unido, 96 min. Dir: Alfred Hitchcock. Rot: Sidney Gilliat, Frank Launder. Elenco: Margaret Lockwood, Michael Redgrave, May Whitty, Paul Lukas, Cecil Parker, Linden Travers, Naunton Wayne, Basil Radford, Mary Clare, Emile Boreo, Googie Withers, Sally Stewart, Philip Leaver, Selma Vaz Dias, Catherine Lacey, Josephine Wilson, Charles Oliver, Kathleen Tremaine.
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