A Esposa de Tchaikovsky é mais um trágico amor obsessivo que o cinema leva para as telas. Remete a muitos dos filmes do saudoso François Truffaut, talvez o cineasta que mais se dedicou ao tema. Desta vez, o roteiro se baseia na história de Antonina Miliukova (Alyona Mikhailova), apaixonada pelo famoso compositor russo do título, com quem se casou. Porém, Tchaikovsky (Odin Lund Biron) não se sentia atraído pelas mulheres, e se casou apenas para esconder essa verdade. Além disso, tinha como prioridade a música. Nesse cenário, amar só poderia mesmo ser a ruína para Antonina.
E o diretor e roteirista russo Kirill Serebrennikov se aproveita do triste destino da protagonista para romper com a realidade em vários momentos do filme. A começar pelo prólogo, em 1893, em São Petersburgo, no dia da morte de Tchaikovsky. Num plano longo e sem cortes, a câmera acompanha Antonina até ela chegar ao funeral. Então, o morto se levanta e solta disparates para a esposa. Dessa forma, inusitada, o filme borra o flash forward concreto com a alucinação, algo que se repetirá ao longo da narrativa.
A história se inicia mesmo em Moscou, em 1872. Antonina apaixona-se à primeira vista, e não desiste de Tchaikovsky mesmo quando ele a desdenha após se declarar. Oferece-lhe até um generoso dote, mas ele só aceita mesmo o matrimônio para manter as aparências. Porém, não faz nenhum esforço para que ninguém perceba que o casamento é fajuto. Já na saída da cerimônia, ele parte numa carruagem e a noiva em outra. O casamento, claro, nunca se consuma, para desespero de Antonina. Logo ela percebe que ela ficará de lado no círculo de amigos próximos do marido, todos homens LGBTQIA+.
À beira do fantástico
As ousadias do diretor Serebrennikov garantem os melhores momentos do filme. Ao quebrar as barreiras da realidade, surgem cenas que beiram o fantástico. Perto do final, por exemplo, Antonina dança entre vários cômodos da casa como se estivesse performando em um espetáculo nos palcos. Mais interessante ainda é a transição do tempo dentro da mesma tomada, um artifício originário do teatro, quando o a decoração do palco muda. Nesse sentido, temos o trecho em que Antonina se despede de Tchaikovsky, que parte num trem, ligando no mesmo plano o seu retorno. Da mesma forma, se repete esse recurso quando morre o amante de Antonina.
A boa atuação de Alyona Mikhailova revela a deterioração do estado mental de sua personagem. Há até certa ousadia, com cenas de nudez frontal feminina e masculina, e muitas performances somente com a atriz em cena. Enquanto isso, Tchaikovsky segue inabalado, praticamente como um vilão. A cartela final, por isso, tem suma importância. Ao mesmo tempo que justifica toda a quebra de realidade que o filme mostra, igualmente questiona a atitude do compositor. Talvez seja até uma proteção a essa figura tão admirada. De qualquer forma, essa chave crucial do enredo não deveria vir numa cartela. É um recurso pobre, melhor seria ter filmado uma cena para trazer isso em imagens.
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Ficha técnica:
A Esposa de Tchaikovsky | Zhena Chaikovskogo | 2022 | 143 min | Rússia, França, Suíça | Direção e roteiro: Kirill Serebrennikov | Elenco: Alyona Mikhailova, Odin Lund Biron, Filipp Avdeev, Ekaterina Ermishina, Natalya Pavlenkova, Nikita Elenev.
Distribuição: Imovision.