Além de ser um dos melhores filmes sobre jornalismo, A Montanha dos Sete Abutres é uma impiedosa crítica a uma sociedade que perdeu a conexão com seus princípios.
Quando um homem fica soterrado dentro de uma caverna em Albuquerque, Novo México, o jornalista Chuck Tatum (Kirk Douglas) se aproveita para monopolizar as notícias sobre a tragédia. A esposa de Leo, a vítima, também se beneficia com o acidente, pois fatura mais com o seu restaurante que fica no local. Além disso, Chuck promete fama ao xerife e ao empreiteiro responsável pelo resgate, em troca de retardar o socorro. Em pouco tempo, o local se torna atração turística, com centenas de pessoas se dirigindo ao local com curiosidade mórbida.
Como hienas
O diretor e co-roteirista Billy Wilder não perdoa quase ninguém em A Montanha dos Sete Abutres. Os únicos personagens importantes que mostram integridade são Leo, seus pais e o dono do jornal de Albuquerque. Todos os demais são desprezíveis: Chuck, Lorraine (a esposa de Leo), o xerife… e toda a massa que corre até o local do acidente como hienas atrás dos restos de comida deixados pelos leões.
Wilder retrata essa multidão através do recorte da primeira família que chega ao lugar. A família, composta pelo casal e dois filhos crianças, viaja para passar as férias num lago, mas resolve parar e dar uma espiada no acontecimento noticiado pela mídia. E acabam montando a barraca deles por lá e ficam até o desfecho do resgate. Eles demonstram sensibilidade em relação à vítima, e torcem para que ele seja salvo. Wilder não vê essas pessoas como essencialmente más, e sim como desprovidas de inteligência. Por isso, as retrata como bobas. O chefe da família protagoniza o único momento de humor do filme, quando a estaca que ele instala para a sua tenda desaba em cima dele.
Toda essa manada de gente que se movimenta para a montanha representa um coletivo que não pensa, e que simplesmente repete o que fazem os demais. E o austríaco Wilder, que fugiu de seu país natal por causa do nazismo, sabe como é perigoso seguir a maioria.
E quando as pessoas não refletem sobre o que lêem, quando são facilmente influenciadas, a imprensa é poderosa. Por isso, o carro que Chuck dirige ostenta uma placa de “Imprensa”, como se fosse um distintivo de uma autoridade.
Um Wilder amargo
Billy Wilder filma com perfeição essa multidão, refletindo essa ideia de massa não individualizada. Para isso, utiliza grandes planos abertos, naturalmente posicionadas no topo da montanha, onde acontece a escavação que chegará até Leo, de onde se vê uma quantidade crescente de carros estacionados no campo aberto em frente. Outro plano marcante é aquele que filma do alto de uma grua dezenas de pessoas descendo do trem ao lado e correndo até o local, onde já existe até um parque de diversões com montanha-russa para entreter os visitantes.
A Montanha dos Sete Abutres possui uma amargura mais intensa do que as películas do gênero film noir. Nenhum detetive durão foi tão cruel quanto Chuck Tatum. Nenhuma femme fatale foi tão traidora quanto Lorraine Minosa, que nunca amou Leo. E a conclusão sombria do filme não dá brechas a concessões. Chuck aprende sua lição, mas já é tarde demais e Lorraine continua a mesma.
A crítica de Billy Wilder, portanto, não se direciona apenas à imprensa, mas a toda a sociedade. Porém, aos jornalistas fica a mensagem de que é verdade a regra de Chuck Tatum: “good news is no news” (boas notícias não são notícias).
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Ficha técnica:
A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole, 1951) EUA. 111 min. Dir: Billy Wilder. Rot: Billy Wilder, Lesser Samuels, Walter Newman. Elenco: Kirk Douglas, Jan Sterling, Robert Arthur, Porter Hall, Frank Cady, Richard Benedict, Ray Teal, Lewis Martin, John Berkes, Frances Dominguez, Gene Evans, Harry Harvey.