Segundo longa do diretor tunisiano Mehdi Barsaoui, A Mulher Que Nunca Existiu transita entre o filme policial e o dramalhão. Acompanha as desventuras da jovem Aya (Fatma Sfarr), cuja ânsia por uma vida melhor a leva de uma situação ruim a outra igualmente ruim, ou quiçá pior.
Aya é obrigada pelos pais a trabalhar desde os 14 anos, abdicando dos estudos. Hoje, trabalha como camareira em um hotel de luxo na pequena cidade onde sempre morou. Depois de quatro anos sendo amante do gerente do hotel, já está perdendo a ilusão de que ele se separe de sua esposa para ficar com ela. Enquanto isso, os pais planejam casá-la com um homem endinheirado, o que não a agrada nem um pouco.
Após apresentar esse cenário nada favorável para Aya, o filme coloca uma inesperada oportunidade para ela mudar de vida. Acontece um acidente com a van que transportava os funcionários do hotel, e todos os passageiros e o motorista são dados como mortos. Porém, ela sobrevive. E o público, diante da situação da protagonista, é conduzido a concordar com a sua decisão de esconder que sobreviveu, roubar o gerente aproveitador e fugir para a capital Túnis em busca de uma nova vida.
Sem dar pistas de que Aya cai numa armadilha, o espectador continua a concordar com suas novas decisões na cidade grande. Aluga um quarto no apartamento de uma outra moça, uma estudante simpática que logo se torna sua amiga e começam a sair juntas. Mas, numa dessas saídas, uma morte acontece e Aya se torna a testemunha-chave. Logo, ela se afunda numa sucessão de enrascadas que só evidenciam o quanto ela foi ingênua – e o público também.
Enredo de novela
Porém, a tensão se dissipa conforme o dramalhão assume o filme. A primeira metade do filme traz o espectador para perto da protagonista, mas na segunda o afasta dela. Entram cenas que forçam as lágrimas do espectador, que devem acompanhar aquelas da protagonista. Os dois personagens que a ajudam parecem bonzinhos demais. Uma delas, a dona da padaria, lhe concede favores que só uma mãe faria, só para justificar essa frase num momento de despedida. O outro, o policial, resolve largar tudo e se arriscar porque o caso no qual Aya está envolvida se parece com o do irmão dele.
O diretor Mehdi Barsaoui acerta nas duas cenas em que os personagens conversam e o espectador não ouve o que dizem. É uma bela solução dramática, pois a imagem conta mais que as palavras. Mas, deixa escapar deslizes na sequência final do tribunal. Os culpados são condenados por homicídio culposo? Talvez seja erro na legenda, mas deveria ser doloso, já que espancaram o rapaz na danceteria. E por que a juíza não menciona os nomes dos seguranças, que também são condenados? São detalhes, mas que tornam ainda mais artificial esse desnecessário desfecho que já estava subentendido. A última cena, então, levanta novamente a questão do drama preparado para comover forçadamente, pois Aya tira sua burca triunfantemente para revelar que, agora, tem seu próprio rosto, ou seja, ela pode assumir o controle de sua vida.
O interesse de A Mulher Que Nunca Existiu está em seu tema universal, e por vir da cinematografia tunisiana. Mas é um dramalhão.
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Ficha técnica:
A Mulher Que Nunca Existiu | Aïcha | 2024 | 123 min. | Tunísia, França, Itália, Arábia Saudita, Catar | Direção: Mehdi M. Barsaoui | Roteiro: Mehdi M. Barsaoui | Elenco: Fatma Sfar, Yassmine Dimassi, Nidhal Saadi, Ala BenHamad, Hela Ayed, Badis Galaoui, Saoussen Maalej.
Distribuição: Imovision.