Após três longas documentais, a diretora Tatiana Huezo estreia na ficção com A Noite do Fogo (Noche de Fuego, 2021), já conquistando a Menção Especial no Un Certain Regard Award do Festival de Cannes. Além disso, o filme foi a escolha do México para a disputa do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022, e entrou na shortlist dessa premiação.
Tema delicado e pesado
Tatiana Huezo revela muita segurança na direção, ao abordar um tema delicado e pesado ao mesmo tempo. É delicado porque conta a história sob a perspectiva de uma criança, a menina Ana, que vive com sua mãe Rita num pequeno povoado nas montanhas mexicanas. Sua ingenuidade infantil não a permite compreender os reais motivos das brincadeiras de sua mãe. Como, por exemplo, se esconder em um buraco dentro da terra, ou distinguir os sons que estão distantes. Nem tampouco desconfia por que ela deve cortar seus cabelos tão curtos quanto os de um menino.
O filme compartilha, também, o ponto de vista da mãe, então, entendemos que o cartel das drogas domina o povoado. E é aí que o tema se revela pesado. Para sobreviverem, os moradores devem trabalhar nos campos de papoula ou pagar-lhes uma mesada. Mas, o maior risco para Ana, suas duas melhores amigas Paula e Maria, bem como as demais meninas do vilarejo, é serem raptadas para, presumimos, serem comercializadas para a prostituição. Com efeito, uma amiga de Ana desaparece, e uma moça aparece morta na mata.
Os habitantes estão sozinhos nessa luta, pois o exército não consegue enfrentar o cartel, e a polícia está mancomunada com os traficantes. Por isso, o povoado vive constantemente com medo, até os professores desistem de ir para esses lugares remotos. Apesar disso, Ana e suas amigas conseguem ter uma infância razoavelmente feliz, período que o filme retrata durante seus primeiros cinquenta minutos.
A adolescência em perigo
Então, a trama dá um salto no tempo para captar a adolescência de Ana, Paula e Maria. O habitual amadurecimento dessa fase de intensas transformações ganha aqui uma abordagem diferente do que nos acostumamos a ver no cinema. Parte dela está presente, como a primeira menstruação, o amor platônico pelo professor, as confidências entre amigas. Porém, o enredo insere recorrentes visitas do exército e do cartel, para enfatizar que o perigo se torna cada vez mais concreto com o crescimento das meninas. O filme segura a inevitável tragédia até os últimos momentos, e mesmo sendo em parte previsível, o clímax dramático chega com uma força arrasadora. Impossível não nos emocionarmos.
O tema da infância em ambiente ameaçado pela criminalidade remete ao brasileiro Cidade de Deus (2002). Além disso, tal qual Fernando Meirelles e Katia Lund, Tatiana Huezo também recorre a atores não profissionais, obtendo, assim, uma interpretação mais autêntica. Nesse quesito, as duas produções utilizam os serviços da preparadora de elenco Fátima Toledo, o que fica notório na tela.
A Noite do Fogo equilibra momentos prazerosos da infância e da adolescência com a tensão desse ambiente de conflito. Porém, o filme se encerra com uma mensagem política, seguindo a analogia do professor de Ana, que coloca uma cadeira de ponta cabeça e pede para algum aluno se sentar nela. Tal qual a amiga Paula demonstra, é preciso virar a cadeira para se sentar, não adianta tentar usá-la invertida. Assim, a última cena mostra os moradores preparando barricadas contra o cartel – dando significado ao título do filme – enquanto outros preferem fugir do povoado. Com isso, o roteiro, baseado em livro de Jennifer Clement, proclama a não aceitação dessas condições adversas. Em outras palavras, é melhor lutar ou fugir.
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Ficha técnica:
A Noite do Fogo | Noche de Fuego | 2021 | México, Alemanha, Brasil, Catar, Argentina, Suíça, EUA | 110 min | Direção e Roteiro: Tatiana Huezo | Elenco: Ana Cristina Ordóñez González, Marya Membreño, Mayra Batalla, Norma Pablo, Eileen Yáñez, Memo Villegas, Olivia Lagunas.
Distribuição: Vitrine Filmes.