A Ordem do Tempo talvez seja o derradeiro filme da cineasta Liliana Cavani, que está com 91 anos. O tema dele, exposto no título homônimo do livro do físico quântico Carlo Rovelli que o inspirou, está fortemente conectado com o ocaso da vida, com o pouco tempo que resta, e destarte deve ter estimulado o retorno de Cavani ao ofício. Antes desse longa, seu último trabalho tinha sido Francesco (2014), feito para a televisão.
Cavani segue a proposta de Rovelli, de tornar a complexa física quântica palatável e compreensível para o público médio. Por isso, a partir da teoria do livro, ela constrói um filme narrativo e linear, com um punhado de personagens e muita dramaturgia. Na direção, recorre à gramática do cinema clássico, facilitando a compreensão.
Na trama, amigos e amigas de longa data se reúnem em uma casa de praia para comemorar os 50 anos de uma delas, Elsa (Claudia Gerini). O grupo inclui o renomado físico quântico Enrico (Edoardo Leo), que trabalha na alta cúpula dos pesquisadores da área. Portanto, capaz de elucidar aos amigos os detalhes sobre a notícia de que um meteoro se aproxima da Terra.
As informações de Enrico são aterradoras. O meteoro possui grandes proporções e se dirige velozmente em direção ao nosso planeta. A probabilidade de colisão é alta, de 1/20. Posto isso, ainda que a teoria quântica volte recorrentemente no roteiro, a dramaturgia passa a comandar o filme, seguindo a questão: como as pessoas reagiriam nesse cenário?
Os privilegiados
O filme se recusa a trabalhar o comportamento coletivo. A iminência do fim da humanidade não chega aos noticiários, pois os responsáveis preferem amenizar a situação para não criar pânico. Essa informação fica restrita aos privilegiados, como grupo desse enredo. Tal recorte pode causar críticas por parte do público do filme, afinal, a individualização seleciona personagens das faixas mais altas; não do pico, mas da elite formada por médicos, advogados, jornalistas, cientistas, psicólogos etc.
Os personagens marginalizados são a empregada peruana e o milionário do mercado financeiro. Deles, o roteiro não traz insights brilhantes. A primeira coloca como prioridade o instinto materno. Quer retornar ao país natal para rever o filho de oito anos a quem não vê desde que ele nasceu. Já o financeiro é punido com a perda da esposa e o arrependimento extremo por ter arruinado tantas vidas por causa de sua ganância.
Voltemos, então, aos personagens privilegiados. Diante desse encurtamento súbito do que lhes restam de vida, eles conversam entre si e com outros (o antigo amor de Elsa procura uma beata), para encontrar o significado disso tudo. O grosso do filme reside nessas conversas exploratórias, com variações entre muitas frases cultas e algumas mais descontraídas. Uma personagem, quando chega a sua vez de responder o que gostaria de fazer como último ato em vida, coloca uma música e todo o grupo dança – com exceção da empregada, que fica no canto, excluída da roda.
O pouco tempo que resta
Por outro lado, agem no sentido de resolverem suas questões com as pessoas próximas. Antigos amores que não vingaram agora ganham preferência, opiniões reprimidas agora são verbalizadas. Como tempo é curto, não se deve desperdiçá-lo com o que é banal (por exemplo, escovar os dentes). Se querem ver a televisão, que vejam uma obra de arte (assistem a Em Busca do Ouro [1925], de Charles Chaplin), e não qualquer besteira descartável.
O tempo parece se esticar nesse dia muito longo, talvez o último da humanidade na Terra. Por fim, aconteça ou não o novo big bang, o medo foi suficiente para consertar os conflitos internos e externos para continuar em frente.
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Ficha técnica:
A Ordem do Tempo | L’ordine del tempo | 2023 | 113 min | Itália | Direção: Liliana Cavani | Roteiro: Liliana Cavani, Paolo Costella | Elenco: Alessandro Gassmann, Claudia Gerini, Fabrizio Rongione, Ángela Molina, Edoardo Leo, Richard Sammel, Valentina Cervi, Angeliqa Devi, Kseniya Rappoport, Francesca Inaudi, Fabrizio Rongione, Alida Baldari Calabria.
Distribuição: Pandora Filmes.
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