A Órfã do Oceano (The Ocean Waif) é uma boa prova do valor da obra da cineasta pioneira Alice Guy. O curta faz parte da sua produção nos Estados Unidos, para onde foi a diretora francesa em 1907, onde fundou seu estúdio de cinema, a Solax.
É possível notar no filme uma crítica ao patriarcalismo, ao machismo, e até à hierarquia social.
Millie (Doris Kenyon) foi adotada quando estava largada à beira do mar, ainda bebê. Agora, já adulta, sofre nas mãos do padrasto, que exige que ela trabalhe à força como uma empregada. Cansada de apanhar, foge de casa e se abriga num grande imóvel abandonado no campo.
Em paralelo, o escritor Ronald (Carlyle Blackwell) procura um lugar tranquilo para escrever seu novo livro. Então, acaba alugando a casa onde Millie está vivendo escondida, sem saber da existência dessa intrusa. Quando se encontram, Ronald fica interessado na história dela, que o inspira a escrever. Interessa-se, também, por ela mesmo. O romance começa a florescer, mas a noiva de Ronald chega ao local.
Millie retorna, então, à casa do padrasto. Mas, agora, ao vê-la bonita, ele sente desejo carnal por ela e tenta estuprá-la. Um vizinho amigo a salva, matando o agressor. Porém, o rapaz foge e a culpa acaba caindo sobre Ronald. Após tudo esclarecido, os novos apaixonados decidem viver juntos, em detrimento da noiva que era de classe social mais alta.
A gramática do cinema
A Órfã do Oceano já apresenta recursos da nascente gramática cinematográfica, como a profundidade de campo (por exemplo, quando Millie está no piso superior da casa e observa Ronald e seu empregado), as cenas paralelas (as ações simultâneas de Ronald e Millie), e até flashbacks (quando Millie conta sua versão no tribunal). Além disso, apesar das enormes câmeras de filmagem da época, Alice Guy consegue movimentá-la, horizontal e verticalmente, o que era raro ainda no cinema.
Esta é mais uma prova de quanto Alice Guy estava, no mesmo degrau ou talvez à frente de D.W. Griffith, considerado um dos pioneiros do cinema narrativo. Só para comparar, Griffith lançaria O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation) em 1915, apenas um ano antes de A Órfã do Oceano. Vale ainda apontar que, em relação ao tema, o filme de Alice Guy se posiciona décadas mais avançado do que o de Griffith.
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Ficha técnica:
A Órfã do Oceano | The Ocean Waif | 1916 | 40 min | EUA | Direção: Alice Guy | Roteiro: Frederick Chapin | Elenco: Carlyle Blackwell, Doris Kenyon, Edgar Norton, Fraunie Fraunholz, William Morris.