Pesquisar
Close this search box.
Poster do filme "A Substância"
[seo_header]
[seo_footer]

A Substância

Avaliação:
9/10

9/10

Crítica | Ficha técnica

A diretora e roteirista francesa Coralie Fargeat retoma em A Substância alguns dos traços de seu cinema que se destacaram em sua estreia Vingança (2017). E, no caso dela, parece não ser precipitado apontar autorismo com base em seus primeiros trabalhos. As marcas são impactantes, e ainda brotam de uma fonte ideológica que certamente direciona as suas ideias. E tal fonte é o papel da mulher nesse mundo, o que dá origem à revanche da protagonista do seu longa anterior, deixada para morrer no deserto após ser violentada por um bando de homens, e à contestação da objetificação feminina que explode neste seu segundo.

Partindo do clássico

Fargeat cresceu como cineasta de forma impressionante, já que entre esses dois filmes ela apenas dirigiu um episódio da série Sandman. Nesse curto intervalo adquiriu ainda mais confiança, que já tinha de sobra, tanto para buscar referências do cinema clássico, quanto para ir além dos limites dentro do gênero filme de terror.

A abertura de A Substância ilustra essa afirmação. A câmera está fixa, enquadrando de cima para baixo a estrela de Elizabeth Sparkle (Demi Moore) na Calçada da Fama em Hollywood, desde o seu desenho (na glória) até sua decadência nos dias atuais, quando todo tipo de sujeira cai sobre o símbolo. Um recurso clássico para mostrar a passagem de tempo e o que acontece durante esse transcorrer. Mas não só o clássico entra no filme, há lugar também para o clichê, talvez como válvula de escape para não sobrecarregar o espectador, ou mesmo para acelerar o ritmo. Exemplo disso é a batida cena na qual Elizabeth, dentro de um dos reservados de um banheiro masculino, escuta Harvey (Dennis Quaid), o chefe da rede de televisão, dizer que vai substituí-la por uma apresentadora mais nova no programa de fitness matinal (com os de Jane Fonda nos anos 1980 e 1990).

Alucinações

Dentro do arsenal do cinema de terror, uma das armas que Fargeat emprega recorrentemente aqui é a alucinação. Aliás, abrindo margem para muito gore. Muitos desses trechos ilustram a aflição de Elizabeth com o envelhecimento de seu corpo, fator que a motiva a embarcar numa experiência alternativa que cria um duplo seu mais jovem. Interpretada por Margaret Qualley, Sue é essa criação que permite Elizabeth reviver seus tempos de auge. Porém, a versão jovem começa a ter suas próprias ambições, o que coloca ambas em risco, já que elas devem se revezar a cada sete dias, e uma não pode existir sem a outra. É como uma variação do clássico “O Médico e o Monstro”.

Essa trama não sobrevive a um escrutínio criterioso, mas Fargeat coloca tantos elementos impressionantes que a cabeça do espectador não se detém para pensar nisso. Entre eles, alguns recursos que ela retoma. Como, por exemplo, o uso dos planos detalhes extremamente próximos, que servem, entre outras coisas, para provocar nojo do personagem escroto que é Harvey. O ato de comer camarões, dessa forma, se torna repugnante. A comida, como no filme de estreia, serve para esse fim em várias cenas de A Substância. O inesperado toque de humor, em meio a cenas tão horripilantes, tem um pequeno (ou grande, depende de cada espectador) espaço, como quando a diretora novamente faz graça com um traseiro masculino.

Da elegância ao delírio

Entre os truques elegantes, destaca-se o trecho em que a câmera vai se afastando da cena até romper com o verossímil. O que estava na tela, assim, diminui de tamanho até sumir, deixando tudo preto. Outro expediente que mescla com inteligência uma ideia batida com referências recentes é o fato de o enredo dirigir-se para o grande momento da carreira de Sue. Ela será a apresentadora do programa de virada de ano, a ser veiculado ao vivo pela TV. Como o espectador sabe que dará errado, a expectativa cresce, e o fato de ser ao vivo aumenta esse sentimento, como demonstrou o recente Entrevista com o Demônio (2023), de Cameron Cairnes e Colin Cairnes.

E que conduzirá, também, para um final apoteótico como o que fez Brian De Palma em Carrie, a Estranha (1976), com direito a jorros de sangue sobre a plateia e, também, a corredores, como em O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick. Mas, igual e perigosamente, remetendo a O Homem Elefante (1980), de David Lynch, com o auditório gritando “aberração” para a criatura deformada sobre o palco. Ainda que venha essa sensação de preconceito, o filme se esforça para se distanciar disso ao criar uma criatura exageradamente monstruosa, impossível de ser real, assim tentando evitar uma inadequada associação com tal bullying.

Além disso, em abordagem ainda mais arriscada, o filme resvala no etarismo ao tentar fazer horror com as partes envelhecidas de Elizabeth. Tal sentimento só some, ou diminui para alguns, quanto acontece a transformação em um monstro de fato, repleto de detalhes que só cabem mesmo num filme do gênero fantástico. Mas que, inexplicavelmente, se suaviza na parte derradeira, para só depois irromper no horror total.

Um pesadelo sem fim

Contudo, até pela longa duração, a sensação predominante se equipara ao pesadelo que nunca acaba. E que vai ficando cada vez pior, pois o filme estica o limite do absurdo para cair de vez no inimaginável. Como nos filmes de David Cronenberg, é um body horror que gera aflição mas não soa apelativo, guarda coerência com o que a diretora fez em Vingança, mas agora com mais recursos e com uma ousadia expandida e delirante.

___________________________________________

Ficha técnica:

A Substância | The Substance | 2024 | 140 min | Reino Unido, Estados Unidos, França | Direção: Coralie Fargeat | Roteiro: Coralie Fargeat | Elenco: Demi Moore, Margaret Qualley, Hugo Diego García, Dennis Quaid, Oscar Lesage, Joseph Balderrama, Gore Abrams, Matthew Géczy, Vincent Colombe.

Distribuição: MUBI / Imagem.

Estreia nos cinemas no dia 19 de setembro de 2024.

Trailer:

Trailer de “A Substância”
Onde assistir:
Cena do filme "A Substância"
Cena do filme "A Substância"
Compartilhe esse texto:

Críticas novas:

Rolar para o topo