Filho de uma mãe judia e um pai muçulmano, o garoto de 12 anos Abe quer se dedicar à sua paixão pela culinária para se isolar das brigas familiares. Os avôs de cada lado querem que o menino se converta para a religião deles, mas Abe prefere agradar a todos, o que acaba por agravar os conflitos. Sem aguentar tanta pressão, ele pede ao chef brasileiro Chico que o ensine a cozinhar profissionalmente.
Produção brasileira made in USA
Abe é uma produção brasileira com cara de estadunidense. Afinal, foi filmado em Nova York e conta com atores americanos, em especial o protagonista Noah Schnapp, famoso por interpretar o Will da série Stranger Things. Já o roteiro, creditado aos palestinos Lameece Issaq e Jacob Kader, se baseia numa história que tem como um de seus criadores Christopher Vogler, autor do livro “A Jornada do Escritor” e um dos papas do assunto.
Assim, coube a Fernando Gostein Andrade, codiretor de Na Quebrada (2014), trabalhar esses ingredientes estrangeiros e acrescentar um tempero do Brasil. Então, junto com suas próprias influências de origem, Fernando conta com o personagem do chef brasileiro e, consequentemente, com a culinária tupiniquim. Além disso, escala atores daqui, entre eles, Seu Jorge como o cozinheiro Chico. Para completar, na trilha sonora, muita música brasileira.
Tom leve e divertido
A primeira parte do filme possui um tom leve. A narração do protagonista Abe revela suas principais características, principalmente, sua paixão pela gastronomia e sua decorrente motivação para cozinhar. Em paralelo, ele compartilha tudo isso pelas redes sociais, interações que surgem na tela dando um toque moderno à narrativa. Os conflitos religiosos e políticos em sua família também surgem na história, mas Abe consegue driblá-los agradando os dois lados.
Então, quando surge a imposição de passar as férias de verão em algum curso para crianças, ele dá um jeito de escapar. Com insistência, convence Chico a lhe ensinar a ser um chef. O relacionamento entre o mestre e o aprendiz espelha aquele de Karatê Kid (1984). Antes de tudo, Abe passa por um processo de aperfeiçoamento de caráter. Ou seja, começa lavando os pratos e tirando o lixo. Após as devidas lições de humildade e disciplina, Abe chega à culinária em si.
Esses são os momentos mais divertidos do filme. Afinal, há uma ótima química entre Seu Jorge e Noah Schnapp, e a interpretação deles esquenta a trama. Logo, temos a impressão de que o personagem Abe descobrirá todo o seu talento e o tom de alegria subirá mais alguns degraus. Mas, como de praxe, algum problema surge para complicar esse trajeto.
O problema necessário
Assim, na segunda metade, voltam os conflitos da família, em um nível ainda mais grave. Tanto que, como consequência, os pais de Abe estão prestes a se separar. Desse ponto para a frente, o tom do filme muda drasticamente, e se torna um drama. Com isso, se acaba aquela leveza que estava encantando o espectador. Aliás, o personagem de Seu Jorge desaparece da história.
Abe tenta reunir a família em um jantar que ele prepara sozinho, mas isso não ajuda a apaziguar os ânimos. Então, surgem crises e resoluções que não convencem. Tudo se resolve fácil demais.
Ademais, os atores que fazem os membros da família de Abe estão muito fracos. Nesse sentido, como destaque negativo estão Dagmara Dominczyk e Arian Moayed, ambos da série Succession. Os dois representam os pais de Abe, mas sem conseguir entregar atuações à altura desses papeis que protagonizam cenas de alta carga dramática.
Por fim, o reencontro de Abe com Chico no final do filme só reforça a convicção de que se desperdiçou uma história bem mais divertida, que exploraria essa incursão do protagonista por sua paixão culinária.
Enfim, apesar da participação de Christopher Vogler no processo criativo de Abe, não há manual infalível.
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Ficha técnica:
Abe | Abe | 2019 | Brasil | 86 min | Direção: Fernando Grostein Andrade | Roteiro: Lameece Issaq e Jacob Kader | Elenco: Noah Schnapp, Seu Jorge, Dagmara Domińczyk, Arian Moayed, Mark Margolis, Salem Murphy, Tom Mardirosian, Daniel Oreskes, Victor Mendes e Gero Camilo.
Distribuição: Paris Filmes e Downtown Filmes.
Assista ao trailer aqui.