Em Acqua Movie, o diretor Lírio Ferreira retrata novamente a relação dos moradores do sertão nordestino com os índios, retomando alguns temas e detalhes de Árido Movie, seu filme de 2005.
A história
O ator Guilherme Weber novamente interpreta um jornalista de televisão pernambucano que vive em São Paulo. Ele reclama da ausência da sua esposa Duda (Alessandra Negrini), cineasta que está sempre viajando para realizar seus documentários sobre índios. Devido aos seus compromissos profissionais, ela pouco convive com seu filho pré-adolescente Cícero (Antonio Haddad Aguerre).
Quando o jornalista morre subitamente de infarto, Duda precisa recuperar o tempo ausente que a distanciou de Cícero. Para isso, os dois fazem uma viagem de carro para jogar as cinzas do pai em Rocha, cidade no sertão pernambucano onde ele nasceu. Na verdade, eles chegam até Nova Rocha, pois a cidade original agora está submersa num lago.
Porém, Duda se arrependerá de ter iniciado essa jornada, pois os atritos ideológicos que afastaram o seu finado marido dessas terras e de seus familiares logo ressurgem. A família do pai de Cícero domina a região, com vasta propriedade e exercendo o cargo de prefeito de Nova Rocha. A proposta de realizar um enterro pomposo, com a presença do governador, para fins políticos, é abominada por Duda, que foge com o filho e com as cinzas até uma reserva indígena numa ilha. Lá, reencontra um velho amigo que lhes dá abrigo para que se escondam do prefeito que quer levá-los de volta à força.
Análise do filme
A temática é similar à de Árido Movie, onde o personagem de Guilherme Weber era incitado pela família a permanecer na propriedade para se vingar do índio que matara seu pai. Em Acqua Movie, o prefeito exige que Duda e Cícero entreguem as cinzas do jornalista falecido e acompanhem o funeral. Na fuga, a questão indígena aflora, pois Duda descobre que o poder desses coronéis foi conquistado tomando as terras dos índios com violência. E o tema toca profundamente a cinegrafista, pois seus trabalhos sobre esse tema são reconhecidos internacionalmente.
Novamente, Lírio Ferreira dirige com um destacado talento. A fotografia de Gustavo Hadba, além de captar a bela paisagem nordestina, apresenta enquadramentos que se alinham à narrativa. Como exemplo, atente para a cena em que Duda e Cícero conversam sentados na cama em frente a uma janela aberta, e em seguida a câmera os capta do lado de fora da janela afastando-se dela. É o momento onde os dois entram em sintonia, e que se contrapõe à cena no primeiro hotel em que se hospedam, depois de uma forte discussão, com os personagens separados pela moldura da janela. Em outro trecho, a câmera se movimenta agitadamente para retratar o nervosismo de Duda, em close-up.
Água
A água do título do filme, que contrasta com o “árido” do longa-metragem de 2005. Nesse sentido, marca presença em toda a estória: nos créditos iniciais, no chuveiro quando o pai tem o infarto, nos games em realidade virtual de Cícero, nos seus sonhos surfando, na chuva na noite após a cremação, na sutil lágrima nos olhos de Duda, no aquário abandonado, no lago onde a cidade natal está submersa, etc.
Adicionalmente, esse elemento também representa o poder no sertão nordestino, e, portanto, enormes construções a levam de um lado ao outro, reforçando o domínio da família dos parentes do pai de Cícero. Mas também protegem os índios na ilha que virou reserva, onde os coronéis não podem abusar de seu poder.
E o próprio filme se alimenta dessa água. Como a protagonista verbaliza, a vida tem que sempre seguir, como o rio. E Acqua Movie se move constantemente em frente, sem permitir que flashbacks o interrompa. Duda e Cícero, igualmente, retomarão suas histórias.
Por outro lado, Acqua Movie constrói um envolvente tom de ação e suspense onde o vilão, o prefeito, persegue os heróis protagonistas, Duda e seu filho, que se escondem na ilha dos índios. Porém, o clímax dessa situação é frustrante, quando os capangas do prefeito encontram os fugitivos. De fato, esse momento de grande tensão é mal desenvolvido, e foge da ação para optar uma solução mais próxima da resolução do drama familiar.
Em suma, Acqua Movie é muito bem fotografado, mantém um ritmo cadenciado, sempre se movendo adiante, mas deixa escapar a oportunidade de empolgar o público no seu clímax dramático.
Ficha técnica:
Acqua Movie (Acqua Movie, 2019) Brasil. 105 min. Dir: Lírio Ferreira. Rot: Paulo Caldas, Lírio Ferreira, Marcelo Gomes. Elenco: Alessandra Negrini, Antonio Haddad Aguerre, Guilherme Weber, Marcelia Cartaxo, Aury Porto, Márcio Fecher, Zezita Matos.