Para o público brasileiro, o filme Ainda Estou Aqui possui diversas conexões que o colocam em evidência. A principal delas é a esperança de concorrer ao Oscar, alavancada por três prêmios recebidos no Festival de Veneza. Mas também por conta dos talentos envolvidos. Afinal, o diretor Walter Salles é o mesmo de Central do Brasil (1998), que levou o Brasil a torcer pelo Oscar de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro. Esta, por sinal, além de participar brevemente do trecho mais tocante do filme, é a mãe da atriz principal, Fernanda Torres, que protagonizou O Que é Isso, Companheiro (1997), sobre o sequestro do embaixador dos Estados Unidos em 1969, evento similar abordado aqui (desta vez o diplomata é suíço).
Os personagens também são conhecidos dos frequentadores de cinema. Já apareceram no filme Feliz Ano Velho (1987), baseado no livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, autor também do romance “Ainda Estou Aqui”. Nesta obra, o ponto de vista é de sua mãe, Eunice Paiva, e a trama se concentra no desaparecimento de seu pai, o ex-deputado Rubens Paiva. Os militares o levaram durante a ditadura no início dos anos 1970 e nunca admitiram a sua prisão. Com uma notável reconstrução de época, o filme primeiro mostra como era a vida da família Paiva, composta pelo casal, suas quatro filhas e o filho Marcelo. O enredo deixa evidente que o governo representava uma ameaça enorme para todos os que discordavam do regime. Por isso, Eunice e Rubens tratam de enviar a filha mais velha, Vera (Valentina Herszage), para Londres.
O desaparecimento velado
A trama retrata o esforço de Eunice, com a cumplicidade da segunda filha, para tocar uma vida aparentemente normal, sem revelar aos filhos menores que o pai está preso pelos militares. Respeitando, assim, os limites da perspectiva da protagonista, Rubens desaparece também do filme. Portanto, não se vê na tela a tortura que ele certamente sofreu. Em compensação, evidencia os tensos dias que Eugênia passou encarcerada e submetida a interrogatórios, bem como a constante vigilância à paisana em frente à sua casa.
Neste melodrama, Walter Salles evita o sentimentalismo barato. Custa para Eunice ceder e verter lágrimas, que só jorram quando ela recebe a fatídica confirmação de seu medo. A cena é fria, pois o filme prefere reservar o choro do espectador para dois outros momentos mais tristes.
Um deles, certamente o mais bem filmado de Ainda Estou Aqui, capta a família Paiva se mudando da casa de frente para a praia no Rio para morar em São Paulo. A câmera enquadra os vários cômodos do imóvel, criando camadas visuais que enfatizam os níveis de consciência que a protagonista cria em sua mente para suportar aquela experiência dolorosa sem desmoronar. Além disso, na mesma cena, a caçula cai aos prantos, sentindo que ela não se despede da casa, mas de seu pai. Constatação que, posteriormente, a personagem, sem necessidade, confirma expressamente.
O outro momento de enorme tristeza é o epílogo, quando uma idosa Eunice, quase desconectada totalmente por causa do Alzheimer, ouve uma notícia na televisão sobre Rubens Paiva, e sua expressão muda. Não seria impossível Fernanda Montenegro receber um Oscar por esses poucos, mas tão comoventes minutos no filme.
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Ficha técnica:
Ainda Estou Aqui | 2024 | Brasil, França, Espanha | 136 min | Diretor: Walter Salles | Roteiro: Murilo Hauser, Heitor Lorega | Elenco: Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Selton Mello, Valentina Herszage, Maria Manoella, Barbara Luz, Gabriela Carneiro da Cunha, Luiza Kosovski, Marjorie Estiano, Guilherme Silveira, Antonio Saboia, Cora Mora, Olivia Torres, Pri Helena, Humberto Carrão, Charles Fricks, Maeve Jinkings, Luana Nastas, Isadora Ruppert, Dan Stulbach, Camila Márdila, Daniel Dantas, Helena Albergaria, Thelmo Fernandes, Carla Ribas, Caio Horowicz, Maitê Padilha, Felipe Barreto.
Distribuição: Sony Pictures.