O filme Al-Shafaq: Quando o Céu se Divide surpreende por sua narrativa não-linear e por sua contundente estória sobre o drama do pai de um jovem recrutado por um grupo extremista.
A história
Abdullah é um imigrante turco que vive na Suíça trabalhando como motorista de táxi. E, mesmo longe de seu país, ele exige que seus três filhos sigam rigorosamente a religião muçulmana. Mas ele tem problemas com um deles, Burak, um jovem adulto que deseja se divertir como os ocidentais. Então, para lidar com ele, o pai pede ajuda ao novo patrão do irmão mais velho, sem desconfiar que está encaminhando-o para religiosos extremistas.
O filme começa com Abdullah retornando à Turquia, onde encontra seu filho Burak já morto. Então, arrependido por não ter tomado nenhuma ação para evitar o destino do filho, ele resolve ajudar Malik, um garoto sírio que acaba de perder seu irmão num acidente no campo de refugiados.
Uma coincidência trágica une os destinos desse menino com o de Abdullah, mas a estrutura recortada da narrativa esconde esse fato. Depois, a sua confirmação é revelada sutilmente, através da montagem do som do massacre dos extremistas na vila onde Malik vivia. O som das metralhadoras se mantém na cena seguinte onde a família de Burak o reconhece praticando esses atos de violência.
Análise do filme
Acima de tudo, Al-Shafaq: Quando o Céu se Divide é ousado porque a não-linearidade de sua narrativa não é apenas temporal, mas também espacial. Nesse sentido, o tempo presente da estória é o que inicia o filme, quando Abdullah encontra o filho morto no hospital. Além disso, para explicar o que aconteceu, o roteiro não expõe simplesmente um flashback que retoma os eventos em ordem cronológica. O que a diretora e roteirista Esen Isik faz é revelar os fatos com outras quebras, com diferentes pontos na linha temporal, inclusive intercalando o desenrolar do presente.
E a narrativa ganha mais complexidade porque apresenta também a estória paralela do menino sírio. Os acontecimentos que levaram Malik ao hospital entram no filme da mesma forma fragmentada, colocando saltos no espaço nesse quebra-cabeças.
Concluindo, é impressionante como a diretora Esen Isik, tendo realizado apenas um filme antes desse, consegue contar esse intrincado enredo com um ritmo ágil sem tornar Al-Shafaq: Quando o Céu se Divide incompreensível. Isik não entrega as informações gratuitamente, mas com sutilezas da gramática cinematográfica que convidam a uma segunda visita ao longa para (re)descobrir essas nuances.
Tal qual o protagonista do filme, Esen Isik nasceu na Turquia e vive agora na Suíça. Formada em cinema na Universidade de Artes de Zurique, ela está na Competição Novos Diretores da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Obs: tivemos acesso a esse filme na cabine para a imprensa da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Ficha técnica:
Al-Shafaq: Quando o Céu se Divide | 2019 | Suíça, 98 min. Dir/Rot: Esen Isik. Elenco: Beren Tuna, Kida Ramadan, Ismail Metin, Ali Kandas.