“Alma Corsária”: A história de uma amizade em narrativa nada convencional
“Alma Corsária” conta a história de amizade entre o rapaz de classe baixa Rivaldo (Bertrand Duarte) e Teodoro (Jandir Ferrari), filho de pai rico.
Os amigos escrevem juntos um livro. Então, na festa de seu lançamento, improvisada em uma pastelaria no centro de São Paulo, enquanto surgem conhecidos e outras figuras da redondeza, o filme começa a contar em flashback como a amizade surgiu em 1957, quando eram meninos que moravam na mesma rua no bairro do Jabaquara. Este e o segmento de 1959 surgem na tela em preto e branco, marcando a época mais ingênua de suas vidas.
A partir de 1961, a fotografia do filme ganha cores, e os agora jovens adultos iniciam as suas vidas sexuais. O diretor Carlos Reichenbach enfatiza a primeira experiência de Rivaldo com um close up extremo no beijo que troca com uma jovem, quando ele está morando em Iguape e recebe a visita do amigo Teodoro. A partir daí, “Alma Corsária” aposta num realismo fantástico. Rivaldo passa a ter visões recorrentes de uma linda mulher (Carolina Ferraz ainda muito jovem), vestida de preto e dançando. A dança, aliás, passará a usar esse tom fantasioso para conectar cenas.
Quando o filme assume Rivaldo como foco principal do enredo, ele está sentado em um banco de uma praça ao lado do amigo, que simplesmente desaparece do quadro. Então, a sequência fecha com Rivaldo dançando com um par imaginário enquanto a câmera se afasta para uma tomada a partir de cima de uma dolly. Em uma cena posterior, uma anã dançarina interliga um flashback com a festa na pastelaria do presente.
Múltiplas facetas
Conforme a história de Rivaldo avança no tempo, o clima se torna gradativamente mais soturno. Assim, ele se envolve com personagens marginais, como cafetões e prostitutas. Com uma delas, Anesia (Andrea Richa), aceita viajar para fingir ser seu noivo perante a família dela. Apesar do ambiente tenso, principalmente no relacionamento com o pai da moça, Rivaldo acaba tendo um breve romance com Anesia. Mas o relacionamento acaba imediatamente quando retornam para São Paulo.
Durante a ditadura militar, Teodoro se torna um rebelde, e Rivaldo acaba colaborando com o grupo clandestino. O fanatismo político é retratado numa sucessão de cenas teatrais, que resgatam parte das peças que rolavam na época, mas adquirindo um certo tom de sátira. O filme assume o humor besteirol sempre que o caricato casal Magalhães (Jorge Fernando) e Verinha (Flor, a jurada do Programa Silvio Santos) aparece em cena. Ou em momentos como na redação onde Rivaldo trabalha, quando aparece uma fila de empregados repetindo o bordão “cuidado com o Osório” até chegar ao esqueleto, que é o último.
Em um filme de múltiplas facetas, o lirismo também tem lugar. Nesse sentido, enquanto um transeunte entra na pastelaria e começa a tocar “Clair de Lune” em um improvável piano, alguns personagens viajam em pensamento para lugares ou situações prazerosas. Por fim, o diretor gaúcho Carlos Reichenbach busca inspiração em Ingmar Bergman para simbolizar a morte de Rivaldo. Aliás, uma referência adicional a outros cineastas que também influenciaram a construção da narrativa não convencional de “Alma Corsária”, notoriamente Buñuel.
“Alma Corsária” recebeu o prêmio de melhor filme, diretor, roteiro e montagem no Festival de Brasília de 1993.
Ficha técnica:
Alma Corsária | 1993 | 112 min | Direção e roteiro: Carlos Reichenbach | Com Bertrand Duarte, Jandir Ferrari, Andréa Richa, Flor, Mariana de Moraes, Jorge Fernando, Emílio Di Biasi, Abrahão Farc, Roberto Miranda, Paulo Marrafão, Jackeline Olivier, David Ypond, Amazyles de Almeida, André Messias, Denis Peres, Walter Forster, Cristiane Couto, Bruno de André, Carolina Ferraz, Rosana Seligmann, Joaquim Paulo do Espírito Santo, Malu Bierrenbach, Guilhermino Domiciano, Leonardo Medeiros, Ricardo Pettine.
Assista: entrevista com Carlos Reichenbach