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MEDUSA: entrevista com a diretora Anita Rocha da Silveira

Medusa (filme)

Medusa, segundo longa escrito e dirigido por Anita Rocha da Silveira, está na seleção da 45ª Mostra Internacional de Cinema, na seção Mostra Brasil/Perspectiva Internacional. Antes, passou pelos Festivais de Cannes (Quinzena dos Realizadores), Toronto e Guadalajara. Além disso, na próxima semana o filme participa do Sitges – Festival Internacional de Cinema Fantástico da Catalunha, na Espanha.

No filme, há muitos e muitos anos, a bela Medusa foi severamente punida por Atena, a deusa virgem, por não ser mais pura. Hoje, a jovem Mariana pertence a um mundo onde deve se esforçar ao máximo para manter a aparência de uma mulher perfeita. Para não caírem em tentação, ela e suas amigas se esforçam ao máximo para controlar tudo e todas à sua volta. Porém, há de chegar o dia em que a vontade de gritar será mais forte.

Sobre a estreia como protagonista do filme, a atriz Mari Oliveira comenta: ”O filme estar em Cannes é realizar o sonho da minha adolescente que ouviu tanto que não podia, que isso não é profissão pra quem vem de onde eu venho. É engraçado porque se me perguntarem se eu imaginava tudo isso, a resposta vai ser: Claro! Trabalhei tanto! Nunca tive medo de sonhar. Quero aproveitar essa chance pra fazer meu trabalho chegar longe, me render novas oportunidades e principalmente mostrar que é possível.”

Anita Rocha da Silveira
Anita Rocha da Silveira

A diretora de Medusa, Anita Rocha da Silveira, nasceu no Rio de Janeiro. Escreveu e dirigiu três curtas-metragens: O Vampiro do Meio-Dia (2008), Handebol (2010, Prêmio FIPRESCI no International Short Film Festival Oberhausen), e Os Mortos-Vivos (2012, Quinzena dos Realizadores de Cannes). Seu primeiro longa-metragem, Mate-me por Favor (2015), estreou na Mostra Orizzonti do Festival de Cinema de Veneza, e participou de festivais como SXSW, New Directors/New Films, AFI Fest, Bafici, Indie Lisboa, Janela Internacional de Cinema do Recife, Festival de Havana, Filmfest Munchen e La Roche-sur-Yon IFF, tendo recebido prêmios de Melhor Direção e Melhor Atriz (Valentina Herszage) no Festival do Rio, e Melhor Filme no Festival Internacional de Cine de Cali e no Panorama Int. Coisa de Cinema.

Confira abaixo a entrevista com a diretora, divulgada pela assessoria de imprensa.

Medusa é inteiramente ficcional ou inspirado em uma história real? Qual foi o ponto de partida para o desenvolvimento do roteiro de Medusa?

Nos últimos anos, presenciamos uma parcela da sociedade brasileira defender o retorno a uma valorização de um modelo de mulher devota ao homem; ou melhor “bela, recatada e do lar”. Além disso, em 2015 me deparei com uma série de notícias de jornais sobre ataques violentos a garotas adolescentes, realizados por outras jovens mulheres. Elas atacavam em grupo, na maior parte dos casos por considerarem a vítima “promíscua”. Às vezes, o cabelo era cortado e cortes feitos na face, pois era essencial deixar essa mulher “feia”.

Enfim, os motivos declarados para tamanha violência variam entre a vítima ser considerada “bonita demais”, ter “dado em cima” do namorado de uma das agressoras, “se exibir” com roupas provocativas, ter likes de muitos rapazes em fotos no Instagram e ser tida como “fácil” e “piranha” – tudo isso em um mundo onde as redes sociais se tornaram a principal ferramenta de vigilância. A violência entre mulheres – muitas vezes usada como forma de controle – é reiterada constantemente em nossa sociedade e permanece ainda um assunto pouco debatido, pois nos desafia a pensar como a engrenagem do machismo atua também em nós. A partir daí, desenvolvi a protagonista, Mariana, uma jovem mulher que é cúmplice dessa violência, mas também vítima. E alguém que ao longo do filme precisará se reinventar para enfim alcançar a liberdade.

– O que te motivou a adaptar o mito de Medusa, transportando-o ao Brasil contemporâneo?

Quando li as notícias sobre as jovens que se juntavam para agredir uma outra mulher, logo me recordei do mito de Medusa. Na versão mais conhecida do mito, Medusa era uma das mais lindas donzelas existentes, sacerdotisa do templo de Atena. Mas, um dia ela cedeu às investidas de Poseidon, enfurecendo Atena, a deusa virgem, que transformou seu belo cabelo em serpentes, e deixou seu rosto tão horrível que uma mera visão transformaria os que a olhassem em pedra. Medusa foi punida por sua sexualidade, por desejar, por não ser “pura”.

Da junção entre mito e realidade me ocorreu que mesmo com o passar dos séculos, faz parte da construção da nossa civilização as mulheres quererem controlar umas às outras. E que talvez essa seja uma forma de mantermos o controle de nós mesmas. Afinal, crescemos com medo de ceder aos nossos impulsos, e até de sermos consideradas “histéricas”. O controle também passa pela aparência, pela beleza, pois está impregnada em nós a ideia de que este é o nosso principal atributo. Fazemos dietas para chegar ao peso “padrão” e passamos por procedimentos estéticos dolorosos na esperança de sermos jovens para sempre.

Ao se afastar do que até então pensava ser o padrão, Mariana poderá enfim encontrar seu caminho para um encontro muito especial. Encontro este, que ao invés de petrificar seu corpo, o despertará para novas sensações e desejos.

– Quais são suas influências em termos de cinema?

Para a construção de Medusa, minha principal influência cinematográfica foi Dario Argento, em especial em Suspiria (1977) e La Sindrome di Stendhal (1996); tanto pela estética maravilhosa, como pela adesão ao gênero de horror de uma forma leve, repleta de humor e de pequenas transgressões.

Mulholland Drive (2001) e a série de televisão Twin Peaks (1990-91/2017), também, são referências, pelo modo como David Lynch caminha entre gêneros e em alguns momentos faz uso do humor para mostrar as falhas do tão almejado “sonho americano”; assim como Get Out! (2017), de Jordan Peele, e sua excelente mistura entre horror, humor e crítica social.

Não posso deixar de mencionar Claire Denis, em especial Trouble Every Day (2001) e Beau Travail (1999), pelo modo como a diretora enquadra os corpos em estado de extremo controle e sublimação, mas também durante o descontrole e a entrega total a todos os desejos latentes. E, por fim, Carrie (1976), de Brian De Palma, um dos retratos mais claros e belos do que a repressão e a humilhação podem fazer às mulheres.

– Em Medusa, acompanhamos dois grupos jovens – as “Preciosas do Altar” e os “Vigilantes de Sião” – que parecem sempre investidos em cultuar seus corpos e um certo padrão de beleza. Por quê?

No universo construído em Medusa, conforme diz a personagem Michele, “aparência é tudo”. Para os rapazes membros do grupo jovem masculino Vigilantes de Sião, treinar e se exercitar faz parte da rotina de ordem à qual se submetem. Para as Preciosas do Altar, é fundamental estarem dentro do padrão de beleza imposto pela sociedade. Devido ao machismo e colonialismo estruturais, ter um corpo “padrão” e estar sempre “arrumada” é o que se espera delas, e essencial para serem aceitas naquele universo. E isso envolve seus corpos, cabelos, estilos de roupa, e a maquiagem adequada – ou seja, discreta sempre. Mariana inicia o filme trabalhando em uma clínica de estética, espaço onde esses padrões são ainda mais exagerados. E sua transformação se iniciará justamente pela aparência.

Porém, ao meu ver, o culto ao corpo e a um determinado padrão estético, diz respeito antes de mais nada a uma forma de controle. Já que se exige desses jovens controlar seus desejos, o exercício do controle começa pelos seus próprios corpos e perpassa para os corpos alheios.

 – Mari Oliveira foi integrante do elenco de Mate-Me Por Favor. Você sempre teve a Mari em mente enquanto desenvolvia Medusa? Você poderia falar um pouco mais do processo de casting?

Sim, sempre tive a Mari em mente. Ela é uma atriz incrível, uma pessoa espetacular e trouxe inúmeras camadas e nuances para a personagem. Para a construção do elenco, contei com a ajuda do produtor de elenco Giovani Barros, e juntos fizemos chamadas abertas nas redes sociais para compor o elenco jovem. Recebemos mais de 600 portfolios e testamos em torno de 200 jovens homens e mulheres. Alguns já contavam com experiências profissionais na televisão e cinema, como a Lara Tremouroux, o Felipe Frazão e o João Vithor Oliveira. Porém, a maior parte do elenco jovem vem de formações diversas em escolas de teatro, e estreia nas telas em Medusa. Além disso, tivemos a honra de contar com nomes consagrados no elenco, como Thiago Fragoso e Joana Medeiros, e com as participações super especiais de Bruna Linzmeyer e Inez Viana.

– Você poderia falar um pouco da concepção da trilha sonora de Medusa?

A concepção da trilha sonora começou no roteiro, quando escrevi a letra de “Jesus é meu amor”, uma versão da música pop brasileira “Sonho de Amor”. A Igreja de Medusa é pop, quer atrair fiéis, então nada como uma trilha sonora cativante. A escolha dos fonogramas passou muito pelo meu gosto pessoal, e por músicas que através de suas letras e ritmos ajudavam a transmitir as sensações das cenas do filme, como “Cities In Dust” (Siouxsie & The Banshees), e “Uma Noite e ½” (Renato Rocketh), na voz de Marina Lima.

Além disso, outra marca da trilha são as regravações, como de “Wishing On A Star”, gravada na voz de Mari Oliveira, e “Baby It’s You”, que ganhou uma nova versão para o filme, na voz de Nath Rodrigues e produzida por Rafael Fantini. Também, sempre foi importante para mim que todas as músicas do filme fossem cantadas por vozes femininas. Já as músicas incidentais, foram compostas por Bernardo Uzeda, com quem trabalho junto desde meu primeiro curta, e tiveram como influência John Carpenter, Tangerine Dream e Goblin.

(fonte: divulgação)

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