O filme franco-espanhol As Bestas expõe o encadeamento de circunstâncias que descamba na violência. E indica uma solução alternativa.
O enredo, contemporâneo, situa o ex-professor Antoine (Denis Ménochet) e Olga (Marina Foïs) no interior da Galícia. O casal francês se mudou para lá há dois anos, realizando o desejado projeto de viver da terra. Os dois possuem boas intenções, e o fato de estarem reformando algumas casas velhas no terreno para que quem precise possa ocupá-las constitui o gancho do roteiro para mostrar essa qualidade. Mas, desde que chegaram, foram tratados como forasteiros indesejados – isso o filme não mostra, apenas atesta pelas palavras de Antoine.
Suspense
Deste preconceito inato, emana um motivo concreto para a aversão aos recém-chegados. Acontece que uma companhia eólica propõe comprar as terras da região para instalar suas imensas turbinas. Quase todos os moradores antigos votam a favor da venda, exceto alguns poucos, entre eles Antoine. “Como pode o voto de quem acaba de chegar ter o mesmo peso que os daqueles que moram lá há cinquenta anos?”, argumenta Xan (Luis Zahera), o vizinho de Antoine que a todo momento o provoca.
A partir de certo momento, o desentendimento se torna pessoal. Então, junto com o irmão Loren (Diego Anido), que tem capacidade mental reduzida, Xan intensifica suas agressões, que vão dos insultos morais aos ataques físicos. Não adianta mais Antoine argumentar que a companhia eólica oferece um valor abaixo do mercado, e que o plano de Xan iniciar uma vida menos sofrida com o dinheiro da venda é mera ilusão, pois o montante não seria suficiente. Antoine grava em vídeos algumas ameaças que sofre, mas como sempre acontece nos filmes, a polícia local tende a defender os moradores antigos.
O desentendimento se acentua, e parece que não há outra saída além da explosão de violência. Esta acontece de uma maneira crua, realista, sem troca de belos golpes exaustivamente ensaiados pelos atores. Da forma que está aqui na tela, a crueldade parece maior.
Drama
Na segunda parte do filme, Olga insiste em permanecer na sua terra. Mesmo sozinha, dá continuidade ao projeto do casal. Quando a filha Marie (Marie Colomb) a visita, as duas têm uma dura e longa discussão na cozinha da casa. Marie quer que a mãe vá embora desse lugar perigoso. Mas Olga possui motivos pessoais para continuar lá. Por um lado, para não ceder à pressão dos vizinhos violentos. Por outro, porque o fato de ser mulher não a impede de ser forte – a sua briga com o fornecedor picareta prova à Marie o brio de sua mãe.
Além disso, As Bestas defende que os homens, por seus orgulhos machistas e tudo mais que envenena seus pensamentos, querem resolver tudo na base da violência. Daí o desfecho trágico que, importante dizer, não é o desfecho do filme. Olga assume o protagonismo e, após uma investigação resiliente, propõe a outra alternativa para solucionar o conflito. Para isso, passa por cima dos dois irmãos vizinhos, para falar diretamente com a mãe deles. Gostem ou não uma da outra, ela define como será a convivência futura, sem homens por perto.
Sexto longa do diretor espanhol Rodrigo Sorogoyen, As Bestas conquista o público em sua primeira metade extremamente tensa, quando a violência está a ponto de explodir a qualquer momento. Depois, na outra parte, assume a perspectiva feminina, e o drama se sobrepõe ao suspense. Os dois gêneros se completam magistralmente, através de soluções inteligentes do diretor, como a separação (embora não absoluta) das estações quentes e frias para as duas metades. Com isso, a mensagem de que as mulheres são mais capazes de chegar a soluções não beligerantes atinge o espectador profundamente, sem ter que expressar essa ideia em palavras.
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Ficha técnica:
As Bestas | As Bestas | 2022 | 137 min | França, Espanha | Direção: Rodrigo Sorogoyen | Roteiro: Rodrigo Sorogoyen, Isabel Peña | Elenco: Denis Ménochet, Marina Foïs, Luis Zahera, Diego Anido, Marie Colomb.
Distribuição: Pandora Filmes.
Assista ao trailer aqui.
O filme As Bestas estreia dia 25 de janeiro de 2024 nos cinemas.
