O filme As Polacas tenta retratar a dura sina das imigrantes polonesas que chegaram ao Brasil no início do século 20 em busca de uma vida melhor e acabaram em casas de prostituição. O enredo individualiza a história de uma delas, Rebeca (Valentina Herszage), que desembarca com o filho no Rio de Janeiro seguindo os passos do marido que veio antes, mas descobre que ele morreu. Em conchavo com o delegado Orlando (Otávio Muller), o cafetão Tzvi (Caco Ciocler) consegue se apoderar da viúva para trabalhar em seu estabelecimento.
A narrativa soa desnecessariamente truncada. Ao invés de contar a história da maneira mais clara possível, o enredo frequentemente deixa o dito pelo não dito. Esse recurso, de não entregar tudo de bandeja, se bem empregado, pode instigar o raciocínio dedutivo do espectador. Mas, em As Polacas isso acaba atrapalhando, levantando dúvidas sobre o que está acontecendo na trama. Às vezes, por retardar a explicação. Por exemplo, não evidencia por que Rebeca assume uma posição tão submissa ao aceitar o primeiro trabalho como prostituta. Só depois o filme desvenda que ela faz isso diante da ameaça de Tzvi fazer mal ao seu filho, levado para um lugar escondido. Outro episódio dessa intenção recorrente de deixar as coisas no ar surge na parte final, quando não revela se o cafetão aceita a nova proposta do delegado, ou quando segura a informação sobre o motivo da rebelde Deborah (Dora Freind) não fugir do bordel.
Indefinido
Um dos aspectos essenciais para o enredo que cai nessa armadilha da falta de clareza está na indefinição do quanto Tzvi gosta de Rebeca. E esconde desde quando surge esse sentimento. Se ele se apaixonou desde que a conheceu, não faz sentido que ele a obrigue a se prostituir. Adicionalmente, tem ainda o personagem Isaac (Amaurih Oliveira), que acaba personificando tal problema de inexatidão – afinal, esse empregado de Tzvi demora demais para contrariar o seu patrão, a quem se mostra muito fiel. Acrescente a isso o fato de o vilão da história só demonstrar que é violento e perigoso nos trechos derradeiros do enredo. Por fim, cabe ainda destacar que as prostitutas, mesmo sendo todas polacas, não parecem nada unidas, como o título do filme propõe.
O uso do desfoque do objeto em primeiro plano, até ficar transparente e deixar visível o que está no fundo, marca presença em vários trechos do filme. Na maioria deles, funciona, pelo menos plasticamente. Mas usar esse desfoque no revólver que a protagonista empunha é um grande erro, pois elimina a emoção do perigo que a cena necessita. Por outro lado, a inserção de imagens de arquivo da época ajuda a ambientá-la. Nesse aspecto, merece elogios o uso de registros da ressaca do mar enfatizando o momento dramático da história.
Artificial
Porém, essas imagens antigas não apagam certo artificialismo dessa produção, que parece novela de época da TV Globo. Em parte, provavelmente porque o diretor João Jardim possui bastante experiência nessas produções televisivas. Mas, isso faz com que os lugares mais ermos não pareçam ameaçadores, ou que toda a cidade do Rio daquela época ostente uma limpeza absoluta por todo canto. Nada explica, por sinal, que Tzvi e Rebeca passeiem tranquilamente por um subúrbio repleto de pessoas perigosas – e no momento em que os dois partem o empregado Isaac é imediatamente ameaçado por bandidos locais. Sem contar ainda que a polonesa Rebeca chega ao Brasil falando português fluentemente, e com sotaque carioca.
Em meio a tantos obstáculos, a história acaba se desvanecendo. Além de prejudicarem a dramaturgia, o tema também se perde. Por isso, é necessário que a cartela final destaque a relevância histórica e social dessas imigrantes, fator importante que o filme não conseguiu comunicar.
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Ficha técnica:
As Polacas | 2023 | 125 min. | Brasil | Direção: João Jardim | Roteiro: Jacqueline Vargas, Flávio Araújo, George Moura | Elenco: Valentina Herszage, Caco Ciocler, Dora Freind, Amaurih Oliveira, Otávio Muller, Clarice Niskier, Anna Kutner, Erom Cordeiro, Bruce Gomlevsky, Isis Pessino.
Distribuição: Imagem Filmes.
