Em Audazes e Malditos, John Ford combate o racismo num filme de tribunal dentro de um faroeste. O cineasta, que sempre foi um defensor pragmático das minorias, não podia ficar alheio ao crescente clamor por igualdade racial no início dos anos 1960.
Por isso, leva para as telas uma história abertamente antirracista. Nela, o exemplar Sargento Braxton Rutledge (Woody Strode), um ex-escravo, foge de uma cena de crime, com medo de o acusarem injustamente pelo duplo assassinato que acontece no local. Porém, a fuga só agrava a sua situação quando o detêm por suspeita, como ele já temia. Então, cabe ao seu superior, o Tenente Tom Cantrell (Jeffrey Hunter), defendê-lo no tribunal.
Julgamento
A narrativa central repousa no julgamento de Braxton, acusado de assassinar um homem e estuprar uma jovem garota. Através de flashbacks não cronológicos, conhecemos o que aconteceu. O fato em si permanece em suspense e a revelação só surge no final do julgamento (e do filme), como num típico whodunit. Antes de tudo, John Ford se preocupa em apresentar quem é o personagem sob suspeita.
Para isso, a figura de Mary Beecher (Constance Towers) se torna essencial, pois ela é quem melhor compreende Braxton. Mary o conhece já em fuga e em situação de perigo, por isso, ele age com certa brutalidade. Mesmo assim, ela logo percebe que, dessa forma, ele pretende salvá-los dos índios à espreita. Além disso, a moça vê que o fugitivo carrega experiência duras dos tempos em que ele era escravo, que o fazem acreditar que não terá um julgamento imparcial em um tribunal formado por brancos.
De fato, no julgamento, as argumentações do eloquente advogado de acusação procuram, deliberadamente, influenciar o juiz de forma negativa pelo fato de o acusado ser negro. Por isso, durante o processo, o Tenente Cantrell tenta a todo momento blindar o réu de implicações racistas. Por fim, como um detetive, o advogado de Braxton desvenda o caso encaixando as peças expostas perante o tribunal. Aliás, o desfecho nos faz lembrar dos livros de mistério da escritora Agatha Christie.
A direção de John Ford
Como de costume, John Ford equilibra a tensão do julgamento e das cenas de ação dos flashbacks com momentos de alívio cômico. Nesse sentido, o juiz do tribunal assume papel chave, principalmente nos momentos em que confronta a sua esposa. Por outro lado, a marca estilística de Ford se destaca nos seus belos enquadramentos, como quando mistifica a figura de Braxton como um heroico soldado posando na paisagem do deserto, ao som do coro dos colegas. Vale notar, também, o trabalho das luzes, que se apagam no quadro mantendo iluminada apenas a personagem Mary Beecher, primeira a depor como testemunha, quando entra o flashback.
Audazes e Malditos desponta como um faroeste revisionista em relação ao papel dos negros no velho oeste. Ford, oportunamente e em consonância com suas próprias inclinações, reflete em seu gênero clássico a revolucionária década que se iniciava.
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Ficha técnica:
Audazes e Malditos | Sergeant Rutledge | 1960 | EUA | 111 min | Direção: John Ford | Roteiro: Willis Goldbeck | Elenco: Jeffrey Hunter, Woody Strode, Constance Towers, Billie Burke, Juano Hernandez, Willis Bouchey, Carleton Young, Judson Pratt, Toby Michaels, Rafer Johnson.