A diretora francesa Léa Mysius estreia em longas metragens com este audacioso Ava. Tal como a protagonista do filme, Mysius mergulha com tudo em um mundo ainda desconhecido. Na ficção, Ava (Noée Abita), é uma adolescente de 13 anos que descobre que está perdendo a visão. A premissa lembra a de Dançando no Escuro (Dancer in the Dark, 2000), de Lars Von Trier, mas aqui toma um rumo bem diferente.
Antes mesmo de receber esse duro prognóstico, Ava vive uma relação conflituosa com a sua mãe, Maud (Laure Calamy), que tem ainda outra filha ainda bebê. O filme não explica o motivo, mas Ava trata Maud com rispidez, e até crueldade. Entendemos que parte de sua revolta reside na não aceitação da sexualidade ativa da mãe, que encontra um novo namorado. Isso fica evidente na cena em que Ava chama as crianças da vizinhança para verem sua mãe transando. E no sonho no qual Maud aparece nua com a vulva à mostra (corajosa decisão da atriz Laure Calamy). Aliás, o longa apresenta outros pesadelos, com uma forte pegada surrealista para refletir a confusão na mente da personagem principal.
Um filme imprevisível
Diante disso, desponta a maior qualidade do filme Ava: sua imprevisibilidade. Essa característica acompanha as atitudes da protagonista, que revela um paralelo com sua perda da visão. É como se, já se acostumando com a ideia de que não conseguirá enxergar para onde vai, Ava se arrisca. Antes disso, busca a segurança de ter um cão guia. Para isso, se apossa do cachorro de um rapaz, Juan (Juan Cano), que vive numa ruína à beira da praia. Mas eventos subsequentes a movem em direção ao encontro com esse misterioso garoto. Sua motivação nesse sentido envolve também o seu despertar para a sexualidade.
A parte final confirma que a garota se liberta de qualquer amarra, efeito inesperado de seu prognóstico de saúde. É como se a doença rompesse as amarras de uma vida teoricamente mais segura. Tanto que, na conclusão, ela parte com Juan rumo ao desconhecido, sem o teto e a proteção da mãe, e sem o cão que serviria de guia.
Rumo ao desconhecido
A diretora Léa Mysius revela muita personalidade. Assim, não segue a moda do cinema contemporâneo de filmar tudo com a câmera trêmula. Pelo contrário, privilegia enquadramentos que não são apenas esteticamente bonitos, mas que ajudam a contar a narrativa. Por exemplo, nas cenas em que filma Ava nas ruínas que servem de moradia improvisada para Juan. Nelas, a pouca iluminação dessa caverna artificial e os recortes formados pelas paredes da construção abandonada se alinham à gradual perda da visão e ao descobrimento da sexualidade.
Além disso, na última cena, Mysius junta sua escolha estética a esses temas. Enquanto Ava e Juan caminham juntos por uma estrada escura, lá atrás deles surge uma luz forte, que de início desconhecemos de onde vem. O simbolismo é evidente: Ava caminha em direção ao desconhecido (a vida com esse garoto que ela conhece há pouco tempo e também a perda da visão), deixando para trás a vida que tinha com a mãe e a capacidade de enxergar plenamente.
Enfim, Ava sai do lugar comum da cinematografia atual francesa, que não costuma arriscar. Pelo que esse filme indica, vale a pena ficar de olho nos próximos trabalhos de Léa Mysius.
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Ficha técnica:
Ava | 2017 | 105 min | França | Direção: Léa Mysius | Roteiro: Léa Mysius, Paul Guilhaume | Elenco: Noée Abita, Laure Calamy, Juan Cano, Tamara Cano, Ismaël Capelot, Daouda Diakhaté, Baptiste Archimbaud, Valentine Cadic.