Babilônia (Babylon), de Damien Chazelle, chega aos cinemas quase simultaneamente com Os Fabelmans (The Fabelmans), de Steven Spielberg. Os dois filmes falam sobre o próprio cinema. O cineasta mais novo apresenta uma visão crítica sobre a indústria, mas as duas gerações convergem na exaltação da magia da sétima arte. Spielberg é mais pessoal: o cinema o ajuda a enxergar a vida com mais clareza, mas também é sua vocação e futura profissão. Já Chazelle prefere apontar os efeitos da fama na Hollywood deslumbrada das primeiras décadas do cinema, porém na conclusão deixa para trás esse lado sombrio e ilumina o produto artístico que transcende Los Angeles.
O filme de Damien Chazelle acompanha vários personagens. Em primeiro plano, estão Manny Torres (Diego Calva), Nellie LaRoy (Margot Robbie) e Jack Conrad (Brad Pitt). Manny é um mexicano que quer entrar para a indústria, aceitando qualquer trabalho nos bastidores. Nellie quer ser uma atriz famosa, e suas atitudes despudoradas lhe abrem as portas de Hollywood. Por fim, Jack já é um astro consagrado, mergulhado nos vícios excessivos da indústria. Além deles, o enredo ainda apresenta a colunista Elinor St. John (Jean Smart), que ganha a vida procurando fofocas como um abutre, a artista de vaudeville Lady Fay Zhu (Li Jun Li) e o músico Sidney Palmer (Jovan Adepo), o único que pula fora antes que o barco afunde.
Ritmo alucinante
Babilônia possui um ritmo frenético, que se adequa ao modo de vida alucinado dessa indústria que gerava lucros exorbitantes. Os primeiros quarenta minutos do filme se passam numa festa orgiástica. Parece até que o longa-metragem se concentrará somente nesse evento, para culminar na perda total do controle, como em Climax (2018), de Gaspar Noé. Mas, nesse trecho, Manny e Nellie ainda nem começaram suas carreiras no cinema. E, como só acontece nos filmes, o acaso leva os dois ao set de filmagens logo no dia seguinte.
O que se segue é uma abreviação da narrativa de Babilônia. Assim, vemos as condições precárias em que as filmagens aconteciam. Vários filmes rodados em vários cenários próximos ao mesmo tempo, pagando-se pouco aos extras e demais trabalhadores. A correria para alugar a câmera antes que o sol se ponha revela o modo gambiarra das produções. Porém, tem o outro lado, o resultado mágico que comove as plateias.
O filme em si é uma expansão dessa amostra. Retrata o deslumbramento e as recompensas do sucesso, mas também o seu reverso, a decadência do fracasso. E, por fim, o resultado mágico que vai para as telas. Chazelle equipara os pontos altos da fama, inalcançáveis para as pessoas comuns, com o mergulho profundo no lado sórdido dessa cultura. Mas, nesse ponto, exagera. Conduz o espectador a um circo de horrores, literalmente para níveis cada vez mais baixos do mundo do entretenimento. A depravação ultrapassa a luxúria da festa da primeira parte, caindo numa monstruosidade que parece não pertencer a esse filme, tendo como anfitrião um Tobey Maguire enlouquecido. Aliás, o declínio está muito melhor no retrato poético da linda cena em que Nellie caminha em direção à escuridão.
Cantando na Chuva
Babilônia parece ser o lado sombrio de Cantando na Chuva (Singin´ in the Rain, 1952). Chega até a incomodar as referências que surgem ao longo do filme. Até mesmo a canção título aparece como se fosse uma ridícula reunião de astros e estrelas que Jack Conrad participa a contragosto. Além disso, a transformação que o cinema sonoro provoca, inclusive condenando a carreira de Jack e de Nellie reforçam a ideia de versão alternativa desse musical de Stanley Donen e Gene Kelly.
Enfim, a conclusão acaba por esclarecer esse motivo narrativo. Em um belíssimo momento, Manny, anos depois de sair da indústria, vai a uma sala de cinema onde exibem Cantando na Chuva. Na tela, identifica os amigos que perdeu retratados como personagens cômicos. A princípio, chora. Mas, logo um sorriso em seu rosto revela que ele reconhece a magia do cinema. Manny, Nellie, Jack, e toda aquela turma de Hollywood ajudaram a criar obras que permanecem até hoje, como profetizou Elinor St. John. E Chazelle, através de uma tocante montagem que inclui trechos de filmes além de hollywoodianos, confirma seu amor pela arte do cinema – apesar da indústria.
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Ficha técnica:
Babilônia | Babylon | 2022 | 188 min | EUA | Direção e roteiro: Damien Chazelle | Elenco: Brad Pitt, Margot Robbie, Diego Calva, Jean Smart, Jovan Adepo, Lukas Haas, Li Jun Li, Eric Roberts, Katherine Waterston, Olivia Wilde, J.C. Currais, Tobey Maguire, Samara Weaving, Jimmy Ortega, Marcos A. Ferraez, Shane Powers, Phoebe Tonkin, Flea, Joe Dallesandro.
Distribuição: Paramount Pictures.