Benzinho retrata com autenticidade a drama da mulher brasileira da classe média baixa, sufocada pelas responsabilidades do lar.
Essa mulher é Irene (Karine Teles), casada com Klaus (Otávio Müller), com quem tem quatro filhos. A vida familiar imperfeita é agravada pela vinda da sua irmã Sônia (Adriana Esteves), obrigada a sair de casa com o filho porque apanha do marido. Esse cenário é simbolizado pela casa onde moram, onde as coisas não funcionam. Em outras palavras, a porta não abre e eles entram e saem por uma janela com a ajuda de uma escada, há goteiras e a torneira estoura. Não funcionam direito a casa e a vida de Irene, mas ela vai levando.
Até que chega a notícia de que o filho mais velho, Fernando (Konstantinos Sarris) ganhou uma bolsa para estudar na Alemanha por ser um ótimo atleta de handebol. Todos festejam o convite, exceto a mãe, Irene, que já sente a perda da companhia do filho. Há um ruído sonoro muito forte em meio à gritaria da comemoração, como se fosse o grito da agonia da mãe. Esse barulho que retornará no final do filme, quando ela se despedir de Fernando, amarrando as cenas.
Contagem regressiva
E essa viagem, que acontecerá dentro de algumas semanas, tem papel fundamental no roteiro. Com ela, o enredo pode passear pelos dramas cotidianos de Irene sem cair num ritmo arrastado, porque há uma contagem regressiva rolando até a data da partida para a Alemanha. A contagem começa desse momento, com treze minutos de filme, quando finalmente aparece o título na tela.
Irene está a ponto de ter um ataque de nervos. No entanto, a correria do dia a dia a mantém tocando sua rotina sem parar para perceber sua situação. Com muito esforço, consegue concluir o ensino médio e sai convidando pessoas, sem perceber que algumas delas, como a ex-patroa, não estão nem aí para sua conquista. A iminente separação física do filho mais velho é a gota d’água que detona sua instabilidade emocional. Por fim, explode quando Fernando e o pai voltam um pouco mais tarde porque estavam bebendo em comemoração à expedição do passaporte.
A direção
O diretor do filme, Gustavo Pizzi, coloca o expectador muito próximo a Irene, preferindo manter a câmera em close-up nela, desfocando o que está à frente ou atrás da personagem. Em algumas cenas, a câmera permanece fixa nela, enquanto outra ação ocorre no espaço diegético (dentro da cena). Por exemplo, quando ela espera que a professora corrija sua prova, a câmera se mantém nela para que o público perceba sua reação.
Então, a sequência final revive sua tristeza pela partida do filho, evidenciada pelo ruído estridente presente no anúncio do convite da Alemanha e logo após seu ônibus sair para o aeroporto. Assim, acompanhamos Irene resolver sua vida a partir daí, quando a câmera acompanha seu olhar fixo no segundo filho mais velho. A fanfarra passa e Irene fica só com o silêncio, uma metáfora que conta que, assim como a bandinha da cidade passa, os filhos também irão embora. E sua vida continuará.
Benzinho retrata o universo feminino, neste recorte da mulher brasileira de classe média baixa, e resvala de leve na violência contra a mulher dentro de casa, como um alerta. O roteiro é do diretor, Gustavo Pizzi, com sua ex-esposa, a atriz Karine Teles que interpreta Irene. Ou seja, uma química caseira que resultou num filme muito autêntico que ressonará com muita força no público feminino adulto. Aliás, um efeito similar ao provocado por Lady Bird: A Hora de Voar (2017), de Greta Gerwig. Este focava a passagem da adolescência para a vida adulta da protagonista vivida por Saoirse Ronan.
Ficha técnica:
Benzinho (Benzinho, 2018) Brasil 97 min. Dir: Gustavo Pizzi. Rot: Gustavo Pizzi, Karine Teles. Elenco: Karine Teles, Otávio Müller, Adriana Esteves, Konstantinos Sarris, César Troncoso, Luan Teles, Vicente Demori, Arthur Teles Pizzi, Francisco Teles Pizzi, Mateus Solano.