“Califórnia” visita com sensibilidade o fim da adolescência de Estela (Clara Gallo), em um retrato nostálgico do ano de 1984.
O filme apresenta Estela em um prólogo dois anos antes, quando a jovem tem sua primeira menstruação, fato que esconde da mãe. Porém, ela o revela ao tio, um jornalista musical muito cool que ela idolatra e que vive na Califórnia, para onde ela irá caso termine o colegial com boas notas. Estela optou pela viagem em troca da sua festa de debutante. Então, um travelling da câmera pelo quarto da adolescente revela a sua personalidade: um enorme pôster do estado da Califórnia, foto do tio e das amigas, David Bowie.
A estória começa, de fato, dois anos depois, quando ela recebe a péssima notícia de que não poderá realizar sua viagem dos sonhos, porque seu tio virá ao Brasil, sem data definida de quando retornará para os EUA. Magro e com gestos afeminados, o espectador logo percebe que o motivo da volta do tio é a doença que se transformou no grande pesadelo da geração que viveu essa época. A AIDS mexeu com a cabeça principalmente dos adolescentes em relação ao sexo. E isso será retratado posteriormente em uma cena em que Estela se recusará a transar com um quase namorado de quem gosta muito.
Autenticidade
“Califórnia” acerta na reprodução autêntica do comportamento dos jovens daquela época. Acima de tudo, muito mais reservados em relação ao sexo do que hoje. Afinal, eram influenciados por essa nuvem negra que acentuava o sermão cristão contra os comportamentos pecaminosos.
Por outro lado, não há menção nos créditos de que a história do filme é autobiográfica. Porém, a semelhança física da atriz principal Clara Gallo com a diretora (e co-roteirista) Marina Person leva a crer que seja. Aliás, isso explicaria a genuinidade que “Califórnia” transmite, com uma forte preocupação com os detalhes. Tudo parece ter passado por um apurado critério para caracterizar o clima da época.
Marcas de roupa (Tkts), filmes (“ET, o Extraterrestre”, “Blood Simple”), músicas (Blitz, Metrô, The Cure, etc), points de encontro como a loja de discos Wop Bop e a balada Madame Satã, e atitudes como troca de fitas cassete e cheirar lança perfume, só podem ter saído da cabeça de quem realmente viveu a época. Além de tudo, a diretora se encaixa na idade correta – estava com 15 anos em 1984. Enfim, Marina retrata sua São Paulo, como antes fez seu pai com a São Paulo dele, quando dirigiu “São Paulo S.A.” (1965).
Dramaticidade controlada
“Califórnia” regula a dose de dramaticidade. A desilusão amorosa, a decepção ao ver o objeto de sua paixão – o rapaz loiro surfistinha e burguês que representava a versão brasileira do garoto jogador de futebol americano como padrão de bonitão da escola – beijando outra menina numa balada, o medo da primeira vez, entram no rol das vivências universais de todas as pessoas, e daí não recebem pintura exagerada no filme. Na verdade, é a releitura adulta de seu passado, porque enquanto jovens pensamos esses serem os maiores problemas do mundo. O que não é universal é ter na família uma vítima da AIDS. Porém, não há exagero na reação de Estela pela perda, logo confortada pelo paquera que a visita no enterro.
Provavelmente, “Califórnia” sensibilizará com mais intensidade aqueles espectadores contemporâneos da sua estória. Contudo, não deixará de tocar também aqueles que viveram esses capítulos universais na sua fase de amadurecimento.
Ficha técnica:
Califórnia (Califórnia, 2015) Brasil, 90 min. Dir: Marina Person. Rot: Marina Person, Mariana Veríssimo, Francisco Guarnieri. Com Clara Gallo, Caio Horowicz, Caio Blat, Livia Gijon, Letícia Fagnani, Giovanni Gallo, Paulo Miklos, Virginia Cavendish, Gilda Nomacce.
Assista: entrevista com os atores Clara Gallo e Caio Horowicz
Assista: entrevista com Marina Person