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FILME CONTA A HISTÓRIA DA FOTOJORNALISTA CAMILLE LEPAGE

Camille (filme)

O diretor Boris Lojkine relata no filme Camille o heroico trabalho fotográfico de Camille Lepage na República Centro-Africana. Sua breve carreira foi interrompida quando, em 12 de maio de 2014, em uma viagem com um grupo de milícia anti-balaka, ela foi morta pelos opositores Séléka, com apenas 26 anos.

Na verdade, o filme Camille marca um retorno do diretor ao continente africano. Afinal, seu primeiro filme de ficção, Hope (2014), se concentrava nos migrantes na África. O filme foi exibido durante a Semana da Crítica em Cannes, e recebeu dezenas de prêmios em festivais internacionais (incluindo dois Prêmios Valois no Festival de Angoulême).  Leia a crítica do filme aqui.

A história

A francesa Camille Lepage chegou à República Centro-Africana em outubro de 2013, quando o país estava à beira de uma guerra civil. De fato, o grupo de rebeldes muçulmanos Séléka cometia muitas atrocidades após ter tomado o poder à força em março daquele ano. Como reação, os aldeões formaram grupos de milícia de autodefesa, os Anti-balaka.

Logo, em 5 de dezembro, os Anti-balaka atacaram Bangui. E a resposta do Séléka veio com a morte quase mil civis. Então, na mesma noite o Presidente francês Hollande anunciou o lançamento da Operação Sangaris, e tropas francesas chegaram à República Centro-Africana no dia seguinte. Porém, enquanto os franceses desarmaram e confinaram os Séléka aos seus quartéis, a comunidade cristã, faminta por vingança, atacou a comunidade muçulmana.

Já exausta, Camille Lepage retornou para a França para passar o fim-de-ano com a família. Contudo, retornou à República Centro-Africana em fevereiro de 2014. Enquanto as atenções dos jornalistas estavam se voltando para outros conflitos, Camille procurou se aprofundar em contatos com a Anti-balaka, na esperança de contar sua história de dentro. Então, foi depois de conseguir a confiança do chefe anti-balaka, Rocka Mokom, que ela foi morta em uma patrulha na fronteira com Camarões.

No final de 2016, a França pôs fim à operação Sangaris. No entanto, a paz está longe de ser vista na República Centro-Africana. Hoje, apesar da presença de um grande contingente da ONU, cerca de 80% do país ainda é controlado por senhores da guerra.

O diretor fala sobre Camille Lepage

Boris Lojkine confessa que só ouviu falar de Camille Lepage quando foi noticiada sua morte. E ficou tocado pelo contraste de seu rosto alegre e jovem com os horrores que aconteciam no país.

“Eu imediatamente me senti atraído. Essa garota teve que ir até o fim do mundo para se encontrar. Ela estava interessada em populações distantes, como eu. E estava lá fora fazendo fotojornalismo, mas ela não queria ser como aqueles fotógrafos de guerra que voam de um conflito para o outro, e passam tempo suficiente em um país para trazer fotos difíceis. Ela queria viver entre os moradores, longe de hotéis internacionais e das vilas chiques de expatriados.”, completa Boris.

O diretor observa que Camille não tinha se tornado uma profissional de renome. Portanto, essa não é uma biografia comum. Quando morreu, ela tinha 26 anos, e ela só tirava fotos por dois anos. Assim, ainda estava começando a encontrar seu próprio estilo. Mas seu verdadeiro trabalho ainda estava por vir.

Dessa forma, é a história de uma jovem idealista que sonhava em se tornar fotojornalista para ajudar populações esquecidas. No início de 2014, quando voltou à República Centro-Africana, Camille decidiu se concentrar na Anti-balaka, uma milícia popular ultra-violenta, que começou a caçar ou matar todos os muçulmanos do país. Fotógrafos e repórteres de TV foram ao mesmo tempo magnetizados por eles, com sua selvageria, então em sintonia com o velho clichê do “coração das trevas” da África. Pelo contrário, Camille tentou encontrar seu lado humano. Ela sentiu como se conhecesse esses jovens. Então, encontrar um pouco de humanidade na Anti-balaka se tornou sua missão.

Segundo Boris: “Ela era uma mulher forte, determinada e profunda. Uma heroína.”

Ficção e realidade

O diretor conta que o filme é baseado em uma mistura entre ficção e realidade, mas sempre cumpre com uma tríplice verdade. Ou seja, a verdade de Camille, a verdade sobre o trabalho dos fotojornalistas e a verdade sobre os acontecimentos na República Centro-Africana. Com esse intuito, Michael Zumstein, que estava lá em dezembro de 2013 e que conhecia Camille Lepage, interpreta a si mesmo no filme.

Adicionalmente, foram criados três personagens, todos estudantes. Primeiro, Cyril, um jovem estudante e um rapper que se torna um Anti-balaka. Depois, Leïla, filha de um pai muçulmano e de uma mãe cristã, que é assassinada por milicianos séléka. E por fim, Abdou, um jovem muçulmano que é forçado ao exílio. Mesmo que tenham sido inspirados por pessoas reais, esses três personagens são fictícios, assim como os jornalistas.

O filme constrói a vida da Camille como uma busca por significado, que culmina com seu relacionamento com Cyril e seu encontro com a Anti-balaka. Especificamente, ela busca a humanidade em meio à violência. Em seu mais belo projeto fotográfico, sobre jovens milicianos do povo Nuer no Sudão, que ela chamou de “Juventude Desaparecida”, ela escreveu: “O que me surpreende neles é que, apesar das atrocidades que eles devem ter sofrido ou infligido aos outros, ainda posso ver bondade e inocência em seus olhos.” Usei essas palavras como inspiração para o texto sobre a Anti-balaka que Camille escreve no filme.

Nina Meurisse

A atriz Nina Meurisse, com 30 anos na época das filmagens, interpreta Camille Lepage. Apesar de uma extensa filmografia, nesse filme ela assume o protagonismo total.

De acordo com Boris Lojkine, a primeira coisa que o atraiu foi a incrível semelhança física entre Nina e Camille. “Tal qual a fotógrafa, Nina tem aquela combinação de ingenuidade e determinação que, para mim, é a própria definição de sua personagem. Por um lado, ela tem aquele grande sorriso radiante, aquele rosto com maçãs do rosto altas, aquela alegria infantil. Mas, por outro lado, ela exala uma grande força moral, uma verdadeira vida interior, uma profundidade.”, completa o cineasta.   

Como em Hope o diretor trabalhou com atores não profissionais de comunidades migrantes, esta foi sua primeira experiência com uma atriz profissional. Por isso, teve receio de que não conseguisse encontrar a verdade, como conseguiu no seu filme de estreia.

Por seu lado, Nina se preparou para o papel lendo sobre a República Centro-Africana e fotojornalismo. Adicionalmente, teve aulas de fotografia e foi trabalhar com fotógrafos profissionais.

Mas, ao ir para a República Centro-Africana, ela precisou ser forte para enfrentar os longos dias de calor, muitas cenas de multidão, e até cenas de tiroteio.

Tiroteio na República Centro-Africana

O filme foi realizado na própria República Centro-Africana, apesar de o país ainda estar em guerra. Sobre isso, Boris Lojkine justifica: “Filmar em outro lugar, enquanto Camille deu sua vida para a República Centro-Africana, não teria feito sentido. Eu queria fazer o filme com pessoas para quem essa história realmente importa. E alimentar o filme com toda uma realidade que seria difícil de recriar em outro lugar.”

Antes das filmagens, ele realizou oficinas de cinema documental com dez jovens diretores, que foram integrados à equipe de filmagem de Camille. Além de a cumplicidade deles ter sido essencial para a realização do longa, isso levou as autoridades locais a apoiarem a produção. Dessa forma, viabilizaram bloquear encruzilhadas, montar manifestações na estrada principal da cidade, reencenar cenas de violência. Além disso, permitiram filmar dentro da universidade, e no necrotério do hospital Bangui, onde Camille Lepage havia fotografado as vítimas do banho de sangue anos antes.

Da mesma forma, as pessoas da capital Bangui ficaram felizes em participar de uma filmagem, pois também estavam interessadas em contar a história de seu país. Afinal, a maioria dos atores e figurantes teve experiência direta com os trágicos eventos de 2013.

Fotografias no filme

O filme apresenta várias fotos, todas elas de Camille Lepage. Boris Lojkine explica por que as usou: “Eles dão a impressão de que o tempo está suspenso, e isso faz você se concentrar no que você vê. O mesmo evento, relacionado pelo filme ou pelas imagens, dará origem a dois sentimentos completamente diferentes. Quando filmado, o saque da Mesquita Fouh equivale a gritos, uma debandada, a queda de placas de metal. Mas quando o vemos de novo à noite no pequeno quarto da Camille, tudo fica em silêncio. A fotografia requer um quadro, e ao fazê-lo, coloca o caos em ordem. Em uma fotografia, um evento é dado um significado, e até mesmo uma beleza estranha.”

“Olhar as fotos de Camille nos permite entrar em sua subjetividade. As fotos mostram o que ela vê, mas também como ela faz, o que ela está procurando, o que ela está tentando nos dizer. E é outra maneira de acompanhar a evolução do personagem. Para incorporar as fotos de Camille com mais facilidade, optei por adaptar o formato do filme ao de suas fotos. É por isso que optamos pelo formato 1.5 incomum.”, acrescenta o diretor.

Concluindo, o cineasta Boris Lojkine ressalta que o filme retrata a intenção de Camille de nos forçar a ver a Anti-balaka de forma diferente, a nos familiarizarmos com eles. Nesse sentido, destaca aquela tomada subjetiva, na qual Camille fala com dois jovens Anti-balaka e pergunta-lhes se ela pode tirar suas fotos. “De repente, os milicianos que pareciam tão violentos e cruéis no início se tornam frágeis, quase ternos. Para mim, esta cena é o verdadeiro ápice do filme. É quando realmente entendemos o que Camille veio fazer lá: procurar a humanidade.”, finaliza Boris.

Fonte: press-kit da distribuidora Pyramide International

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