Poster em inglês de "Cão Danado"
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Cão Danado

Avaliação:
10/10

10/10

Crítica | Ficha técnica

Cão Danado conduz o diretor Akira Kurosawa de volta ao gênero policial de O Anjo Embriagado (1948). Emprega a mesma dupla de atores principais, Toshiro Mifune e Takashi Shimura, mas encarando uma trama muito mais movimentada.

O mote, um furto do revólver de um policial dentro de um ônibus lotado, parece banal. Mas, é suficiente para engatilhar uma crise de consciência arrebatadora na vítima, o detetive Murakami (Toshio Mifune). E uma busca frenética no encalço dos criminosos que se apossam dela, com a orientação do experiente chefe Sato (Takashi Shimura).

Os dois protagonistas são bem diferentes, o que dá um charme especial para a história. Murakami é um novato, por isso sofre com a culpa pelo seu descuido. Cada crime cometido com o seu revólver o afeta dolorosamente. Por isso, ele está sempre tenso. Sato, por sua vez, tem muita vivência policial. Sua atitude mais relaxada, porém, não significa que ele seja desleixado. Pelo contrário, com inteligência, consegue prever os passos dos suspeitos e planejar estratégias para encontrá-los.

Duas partes

O enredo se divide em duas investigações sucessivas, quase como se fossem dois filmes, ou episódios procedurais. Na primeira, Murakami e Sato procuram um traficante de armas da máfia. O caso culmina em grande estilo, numa emboscada num estádio lotado em dia de clássico de beisebol. Na segunda, mais intrincada, a dupla segue as pistas que levam a um jovem que está cometendo latrocínios. Uma pessoa chave nessa inquirição é a dançarina Harumi (Keiko Awaji), a paixão do assassino.

Essa segunda parte da trama traça um paralelo entre o detetive Murakami e o criminoso Yusa (Isao Kimura). Ambos foram para a guerra e, no retorno, tiveram suas mochilas furtadas. Para eles, foi uma enorme decepção serem roubados pelo povo por quem se arriscaram. Contrariando qualquer determinismo, Murakami transformou essa perda numa motivação para ser policial, porém, Yusa cultivou um ódio pelo mundo, e caiu no mundo do crime se aproximando da Yakuza. O filme reforça a mensagem de que o destino de cada um é definido por suas escolhas. Uma bela imagem no final traz isso à tona. Murakami e Yusa, após se confrontarem, caem exaustos no chão lado a lado. Fica claro que, a partir do mesmo ponto de partida, os jovens optaram por caminhos opostos.

Kurosawa em ação

Cão Danado está sempre em movimento. Os protagonistas passam por diversas locações, encontram várias pessoas. Murakami participa de três perseguições. Primeiro ele corre atrás de um rapaz que ele pensa que é o responsável por furtar seu Colt. Mas, com o auxílio de Sato, descobre que a culpada é uma senhora. Então, num delicioso jogo de insistência criado por Akira Kurosawa através de uma montagem com vários planos pela cidade, ele, por fim, a convence pelo cansaço a revelar para quem entregou o revólver. Da mesma forma, num tom mais sério, Kurosawa apresenta a busca de Murakami pelo traficante de armas, com destaque para os planos com os pés do personagem e as fusões sobre os olhos do protagonista.

Ao longo de todo o filme, Kurosawa desfila bom gosto nos enquadramentos, sempre se preocupando por manter todos os personagens visíveis, sem que um obstrua o outro. Em muitos trechos, deixa Sato em primeiro plano e Murakami em segundo, para evidenciar quem é o mentor na relação. Nada é gratuito. Por exemplo, a visita de Murakami à casa de Sato existe para humanizar o detetive-chefe, que tem uma esposa e três filhos. Mais para frente, quando Sato está em perigo, essa informação familiar deixa o momento mais dramático. Vale também notar o plano que mostra Murakami arrasado, sentimento que Kurosawa enfatiza colocando um pilar no meio da sua figura.

Clima quente

Durante a história inteira, o calor está insuportável, dado retirado pelas falas dos personagens e seus comportamentos. O suor corre nos rostos das pessoas e muitos procuram alívio se abanando ou com ventiladores. Mas, uma chuva torrencial está sempre prestes a cair – frase que Sato repete várias vezes. E, como acontece muito no cinema de Kurosawa, a tempestade desaba no momento mais dramático – neste filme, quando Harumi se descontrola emocionalmente e começa a dançar em ritmo frenético.

O clímax do suspense é digno de Alfred Hitchcock. Murakami, seguindo a confissão de Harumi, corre até a estação de trem para encontrar e prender o criminoso Yusa. Porém, ele nunca o viu, e não consegue reconhecê-lo. A voz em off acompanha o seu pensamento, enquanto tenta construir uma imagem do perseguido e encontrar algo que o identifique. Logo depois, no confronto derradeiro, Kurosawa foge do óbvio e elimina a música da cena, deixando apenas o som de um piano tocando ao longe numa casa.

Dificilmente citado como um dos melhores filmes de Kurosawa, Cão Danado é um daqueles que merecem ser descobertos ou redescobertos. Entraria fácil no Top 10 de 99% dos diretores de cinema do mundo, mas acontece que este cineasta em particular possui uma quantidade vasta de obras primas.

 

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Ficha técnica:

Cão Danado | Nora Inu | 1949 | 122 min. | Japão | Direção: Akira Kurosawa | Roteiro: Akira Kurosawa, Ryuzo Kikushima | Elenco: Toshiro Mifune, Takashi Shimura, Keiko Awaji, Eiko Miyoshi, Noriko Sengoku, Noriko Honma, Reikichi Kawamura, Isao Kimura.

Onde assistir:
Takashi Shimura e Toshiro Mifune em "Cão Danado"
Takashi Shimura e Toshiro Mifune em "Cão Danado"
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