Com cara (e quase duração também) de curta-metragem, Carcaça usa e abusa de sonhos e alucinações para tentar construir o suspense psicológico de sua narrativa.
O filme conta apenas com dois atores em cena, o que se ajusta ao orçamento dessa pequena produção, restrição econômica perceptível mesmo com Paulo Miklos interpretando um dos protagonistas. Ele interpreta Davi, cinquentão casado com a novinha Lívia, vivida pela atriz e youtuber Carol Bresolin.
O enredo se passa durante uma pandemia, e o confinamento coloca em teste a harmonia do casal. O convívio estremece quando Lívia descobre que Davi se excita assistindo alguma coisa no seu notebook (que o filme não revela ao espectador). A partir daí, ela tem uma sucessão de pesadelos e alucinações, que primeiro a fazem sentir nojo do marido. Depois, ela entra num comportamento cada vez mais agressivo. Uma reviravolta na trama coloca tudo em xeque, inclusive a pandemia. Na verdade, o pesadelo que ela vive é real e cotidiano, e sua mente está perturbada porque anseia por uma saída.
O formato de apenas dois protagonistas, junto com a trama do isolamento e da compulsão sexual pela internet remetem a Descascado (2021), outro filme do diretor André Borelli, que repete também o erro de desviar o tom, empregando uma música de fundo que não combina com a cena (quando Lívia assume uma posição agressiva, inclusive virando o prato de espaguete na cabeça de Davi). No restante, os sons estranhos providenciam uma aclimatação mais adequada ao suspense da história.
Direção planejada
Por outro lado, fica evidente que André Borelli planeja a mise-en-scène de cada plano. Para começo de conversa, ele adota a fotografia em preto e branco, que afasta o risco de essa trama cair no folhetinesco. E, se a câmera muitas vezes filma à meia altura, sem mostrar os rostos dos personagens, é porque o diretor quer que o público se fixe na comunicação corporal. Em alguns momentos, porém, esse estilo dá uma falsa ideia de ser um found footage, pois a câmera parece estar escondida em algum canto do cenário.
Há belos momentos, como aquele plano filmado do alto, pegando a piscina onde Lívia está deitada numa boia em forma de asas – permitindo interpretações várias, assim como a presença de dois urubus (um só no final) em cima do telhado, ou do passarinho morto na cozinha. O ataque utilizando as sombras de Davi na parede também é uma imagem bem trabalhada, desta feita bebendo das influências expressionistas.
Mas, Carcaça possui pesadelos e alucinações em demasia. E isso enfraquece o suspense do filme, pois o público, a partir de certo ponto, já antecipa o que não é real. O suspense puro fica por conta da cena em que Lívia bisbilhota o notebook de Davi, e o público vê que ele está saindo da piscina e indo em direção ao local em que ela está. A cena devia ser mais longa para efetivamente funcionar. Porém, é por esses e outros momentos que o filme não consegue mexer com as emoções tão fortemente quanto o seu tema pede.
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Ficha técnica:
Carcaça | 2024 | 70 min. | Brasil | Direção: André Borelli | Roteiro: André Borelli | Elenco: Paulo Miklos, Carol Bresolin.
Distribuição: California Filmes.