A história trágica e ousada de Celeste ganhou uma abordagem tímida demais nas mãos do diretor Ben Hackworth. Apesar de ser também o coautor do roteiro, ao lado de Bille Brown, Hackworth não consegue aproveitar o potencial dramático do que colocou no papel.
O filme envolve um trauma do passado e uma relação íntima entre a protagonista Celeste e seu enteado Jack. Ou seja, o material pedia um tom pesado e introspectivo. Porém, o longa-metragem se mantém distante demais de seus protagonistas e não consegue aprofundar essa premissa instigante.
A trama se desenrola em Mena Creek, no estado australiano de Queensland. A personagem principal Celeste é uma famosa cantora soprano que trocou sua carreira pelo casamento. Porém, seu marido morreu tragicamente e, desde então, ela se afunda na bebida. Agora, dez anos depois, ela tenta retomar sua carreira. Um pouco antes da primeira apresentação, ela faz um pedido para seu enteado Jack, a quem não via há anos.
Tanto Celeste quanto Jack ocupam a posição de protagonistas do filme. Por isso, antes de se encontrarem na bucólica casa em Queensland, acompanhamos em paralelo como estão suas vidas. Celeste apresenta comportamentos descontrolados devido às bebidas. Enquanto isso, Jack sofre agressões porque está com dívidas de jogos. Além disso, em flashbacks do rapaz, gradativamente descobrimos o que levou à trágica morte do pai. Assim, descobrimos por que o evento traumatizou os dois personagens principais.
Momentos dramáticos desperdiçados
O diretor australiano Ben Hackworth desperdiça três momentos de alto potencial dramático. Primeiro, quando os dois protagonistas cedem aos seus desejos carnais. Nessa cena, os dois se aproximam aos poucos, e, quando ultrapassam o mero carinho maternal, há uma elipse que deixa subentendido o ato sexual. Dessa forma, não leva para as telas uma imagem que poderia incomodar o espectador, mas esse incômodo seria essencial para provocar as emoções do público. Em tema similar, o filme Rainha de Copas (2019), da diretora May el-Toukhy, foi muito mais impactante porque teve coragem de ousar.
Depois, outro momento de tensão desperdiçado repousa no pedido de Celeste para Jack. A solicitação revela toda desesperança dela em relação a sua vida, por conta de um problema de saúde. A mise-en-scène não traduz essa situação melancólica, tanto nos aspectos da fotografia e da trilha sonora, quanto na interpretação. A atriz Radha Mitchell, conhecida por seu papel duplo em Melinda e Melinda (2004), de Woody Allen, até que convence. Mas, o problema é o jovem ator Thomas Cocquerel, cujo maior papel até agora foi como protagonista em As Aventuras de Errol Flynn (2018), de Russell Mulcahy. Seu choro em Celeste não consegue expressar a dor que o seu personagem sente com a notícia.
Já o terceiro grande momento climático que não tem a intensidade que merece é o flashback que revela como o pai de Jack morreu. Aqui, a sequência possui os elementos básicos, mas abafando a discussão entre os dois num barco, e isso acaba provocando um distanciamento prejudicial que não envolve a emoção do público.
Paronella Park
Por outro lado, destacam-se as locações no Paronella Park, em Mena Creek, Austrália. Além de revelar um local paradisíaco – que, aliás, pode ser visitado mediante ingresso – o parque transmite uma sensação da frieza úmida que combina com o clima triste do filme. Pena que Celeste trata com demasiada leveza os momentos mais provocativos do seu bom roteiro.
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Ficha técnica:
Celeste (2018) Austrália. 105 min. Direção: Ben Hackworth. Roteiro: Bille Brown, Ben Hackworth. Elenco: Radha Mitchell, Thomas Cocquerel, Nadine Garner, Odessa Young, Emm Wiseman.