O filme soviético Cidade Zero rompe as barreiras da lógica e se torna assustador e engraçado.
Em sua trama surreal, Aleksei Varakin é um engenheiro de Moscou que chega a uma pequena cidade para visitar um fornecedor. A sua incumbência é pedir uma customização de uma parte de uma máquina de ar-condicionado. De cara, ele é recebido por uma secretária belíssima, completamente nua, executando suas funções como se tudo estivesse normal. Quando o diretor o atende, Aleksei não consegue formalizar seu pedido porque o engenheiro chefe do fornecedor morreu há 8 meses. Então, ele deve retornar para Moscou, mas não consegue sair da cidade.
Adicionalmente, outros fatos estranhos acontecem. Por exemplo, o cozinheiro do restaurante onde ele janta o presenteia com um bolo com o formato de seu rosto. Porém, quando Aleksei se recusa a provar essa sobremesa, o cozinheiro se suicida . Depois, ele entra num táxi para ir até a estação de trem, mas a estrada não tem saída. Além disso, ele visita um museu que expõe a História de forma diferente daquela que ele conhece. E, ainda vemos outros absurdos, como ele ser herdeiro de um dos pioneiros locais do rock and roll.
As sequências em Cidade Zero são bem longas. Em especial, a cena do museu apresenta várias situações históricas, que dependem do conhecimento do espectador para serem engraçadas. O mesmo comentário vale para o trecho no pequeno apartamento onde vários personagens se reúnem gradativamente.
Alegoria
De qualquer forma, a ideia geral que se destaca é a alegoria da situação política da União Soviética na época da realização do filme. Em 1988, o regime comunista estava no fim. Então, o diretor Karen Shakhnazarov já ousava criticá-lo. Assim, o tema geral do filme, a impossibilidade de o protagonista sair da cidade, se relaciona à falta de liberdade para os cidadãos soviéticos saírem do país. E a burocracia está estampada na administração do fornecedor, tanto na figura decorativa da secretária, como no fato de o engenheiro chefe estar morto há oito meses e o diretor desconhecer isso.
Nesse sentido, o museu critica a prepotência de considerar a URSS como o centro de tudo. Daí, a exposição distorce acontecimentos para localizá-los em terreno soviético, como a presença de romanos na Antiguidade. Adicionalmente, na reunião do apartamento, as pessoas presentes experimentam o conceito essencial do comunismo, que é o compartilhamento. No caso, temos a comida servida com apenas uma colher, e a música que todos cantam juntos.
Cidade Zero é uma comédia satírica que provoca alguns risos, mas a trama é sinistra, assustadora até. Afinal, nos envolvemos na estória e nos preocupamos com o protagonista, que não consegue sair dessa misteriosa cidade. Ao mesmo tempo, as situações apresentadas que não possuem nenhuma coerência, instigam a buscarmos seus significados. Provavelmente, quanto mais conhecimento temos da história polícia soviética, mais apreciaremos o filme.
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Ficha técnica:
Cidade Zero (Gorod Zero) 1988. União Soviética. 103 min. Direção: Karen Shakhnazarov. Roteiro: Aleksandr Borodyanskiy, Karen Shakhnazarov. Elenco: Leonid Filatov, Oleg Basilashvili, Vladimir Menshov, Armen Dzhigarkhanyan, Evgeniy Evstigneev, Lena Zhanik, Tatyana Khvostikova.