“Ciúme – O Inferno do Amor Possessivo” é um dos melhores filmes sobre ciúme patológico, e isso se deve ao talentoso diretor Claude Chabrol.
O início do filme contraria o estigma do cinema francês como cinema lento, em que as ações retratam a duração real dos acontecimentos. Ao invés disso, em uma sucessão de elipses, várias sequências curtas contam como Paul Prieur inicia seu hotel no interior da França. E, como isso evolui para seu casamento e o nascimento de seu filho. Mas, Paul sofre para dormir depois que seu filho nasce. Um ano se passa e, assim, apresentados os personagens principais e a situação, a história se inicia, quando o hotel já está cheio de hóspedes. Pela primeira vez, vemos Paul conversando com ele mesmo, revelando seu ciúme por sua esposa Nelly.
Um zoom veloz que estaciona em close em Nelly explicita a surpresa dela em descobrir que Paul está enciumado. Nesse momento, ela até gosta, porque acredita ser uma prova do amor dele por ela. Porém, a desconfiança de Paul ultrapassa o nível considerado saudável. Afinal, quando Nelly parte para a cidade de ônibus, ele a segue em seu carro. Ademais, espiona sua esposa quando ela entra na loja da amiga, em um enquadramento que mostra as duas conversando alegremente, e ele no reflexo da vitrine observando.
A visão de Paul
Até esse momento, o espectador, que acompanha o enredo através do personagem Paul, ainda não tem certeza se Nelly o trai. No entanto, o fato de ela se dirigir à direção da garagem onde o suposto amante dela trabalha é suficiente para acompanharmos a visão atormentada de Paul. Nesse sentido, vemos um close da boca de Nelly sensualmente passando batom em seus lábios. Cortes rápidos do imaginado encontro entre os amantes completam o cenário.
O diretor Claude Chabrol, acertadamente, opta por nunca colocar na tela uma imagem que comprove a inocência de Nelly. Com isso, permite que o espectador compartilhe da centelha que igniza o ciúme de Paul, humanizando a personagem e evitando que se torne caricata. Aliás, Chabrol constrói o crescimento da desconfiança até níveis doentios através de vários recursos narrativos. Durante uma projeção de cenas filmadas por um hóspede, flashes do que Paul imagina ter ocorrido invadem a tela, ao mesmo tempo que a iluminação sobre sua figura escurece.
Depois de dar um piti na frente de todos, vemos seu rosto enquadrado em um espelho, representando sua culpa. Outros momentos de cólera recorrem a enquadramentos tortos, câmera desfocada, contraste claro e escuro, e muitos flashes alucinados. A mise-en-scène inclui as forças da natureza, onde a ventania e a tempestade simbolizam o sentimento do anti-herói.
Elenco
O filme utiliza bem seus atores principais. Emmanuelle Béart encarna perfeitamente a esposa com beleza acima dos padrões, sem noção do impacto que provoca nos homens com sua sensualidade evidenciada com seus vestidos e suas saias curtas. Da mesma forma, François Cluzet se encaixa no contraponto desbalanceado do casal. Ou seja, um marido com aparência comum e desprovido de charme. “Ciúme – O Inferno do Amor Possessivo” não convenceria se não conseguisse justificar essa situação de desequilíbrio.
O tema pode ser banal, mas não na forma como Chabrol a trabalha nesse filme, considerando todos os elementos acima descritos. Além de tudo, o final inconclusivo eleva ainda mais a qualidade do filme. Afinal, deixa ao espectador a decisão sobre o que pode ter acontecido ao casal na situação extrema do desfecho.
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Ficha técnica:
Ciúme – O Inferno do Amor Possessivo (L’Enfer, 1994) França. 102 min. Direção: Claude Chabrol. Roteiro: Claude Chabrol, Henri-Georges Clouzot, José-André Lacour. Elenco: Emmanuelle Béart, François Cluzet, Nathalie Cardone, André Wilms, Marc Lavoine, Christiane Minazzoli, Dora Doll, Mario David, Jean-Pierre Cassel, Thomas Chabrol, Amaya Antonlin.
Assista: entrevista com Claude Chabrol no canal Numéro Six