O húngaro Corpo e Alma é um dos indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro na edição desse ano, cuja cerimônia acontece no próximo dia 4 de março. Além disso, ganhou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Berlin.
É um drama romântico sobre um homem de meia-idade, Endre, diretor financeiro de um matadouro, e Mária, uma moça na casa dos trinta anos, que está inspecionando a qualidade do local. Endre já desistiu de casos amorosos, sai com mulheres mas prefere não se envolver seriamente com elas. Seu braço esquerdo paralítico é um dos motivos para não se sentir atraente o suficiente. Já Mária é retraída, se isola para evitar contatos com outras pessoas, possui racionalidade extremamente desenvolvida e forte transtorno obsessivo compulsivo. O que une essas duas figuras solitárias é o estranho fato de ambos compartilharem o mesmo sonho, onde se encontram na floresta na forma de cervos macho e fêmea.
Frieza
Corpo e Alma é revestido de muito frio, presente fisicamente na floresta coberta de neve dos sonhos e no frigorífico do matadouro, e psicologicamente na personalidade dos protagonistas. Nesse sentido, o cabelo loiro claríssimo e a pele alva de Mária também exalam frieza. A temperatura sobe aos poucos, à medida que o relacionamento entre os dois progride, mas em ritmo muito devagar, sempre com a fragilidade de poder se romper a qualquer instante. Quando Mária segue a recomendação do seu terapeuta, ela passeia em um parque, onde observa casais namorando e se deita na grama para tomar sol. Porém, a dita fragilidade do relacionamento continua abalando e tudo se torna gélido demais na cena contundente da banheira onde Mária se banha em água presumidamente fria. A temperatura representa elemento narrativo essencial na história, e quando o casal finalmente transa, as bochechas da moça estão bem rosadas.
O cenário também é usado na narrativa, por isso, o matadouro simboliza a história. Nos sonhos compartilhados pelos protagonistas, eles assumem forma animal, dois cervos em busca um do outro em um ambiente coberto de neve. O local de trabalho dos dois se insere na trama como o oposto, um local fechado onde os animais são mortos. Vemos então representada a força esmagadora que oprime o relacionamento dos dois. Assim, a execução dos animais no matadouro evidencia tudo o que impede que eles se tornem os cervos do sonho. Na vida real, são os papéis profissionais deles, porque o trabalho de Mária pode prejudicar o de Endre, a preocupação com o que os colegas pensam a respeito deles, e as próprias inseguranças do casal.
Ildikó Enyedi
A diretora e roteirista Ildikó Enyedi acerta ao posicionar a câmera fora do prédio do matadouro para filmar Endre lá dentro. Dessa forma, transmite a sensação de isolamento ao qual o personagem se prende, reforçado pelas palavras do colega que lhe aconselha a descer com mais frequência de sua sala de diretor. Percebemos, mais tarde, que o relacionamento com Mária altera essa preferência pelo distanciamento quando Endre pede desculpas ao novo empregado, por ter desconfiado dele de um caso de furto, e o convida para tomar uma cerveja.
O ato sexual entre Mária e Endre chama a atenção por sua honestidade em relação à narrativa. A intenção não é de tornar a cena sensual, mas respeitar as características dos personagens que conhecemos ao longo do filme. Os dois se olham enquanto transam, mas sem exprimir prazer em seus rostos, muito menos gemerem. Sabemos que Mária está gostando porque seu rosto está enrubescido. Se essa cena de sexo fosse filmada de outra forma, mais tradicional, tendendo a ser mais sexy, se tornaria totalmente artificial.
Essencialmente, Corpo e Alma é, sobretudo, natural. Não há preocupação em mostrar protagonistas belíssimos, mas tanto Mária como Endre ficam gradativamente mais bonitos conforme mudam suas personalidades. Uma transformação não radical, mas suficiente para quebrar o distanciamento que os separava um do outro. É um processo lento, como ritmo do filme. Porque se fosse mais rápido, não seria verdadeiro.
Ficha técnica:
Corpo e Alma (Teströl és lélekröl, 2017) Hungria, 116 min. Dir/Rot: Ildikó Enyedi. Elenco: Alexandra Borbély, Géza Morcsányi, Réka Tenki, Zoltán Schneider, Ervin Nagy, Tamás Jordán, Júlia Nyakó, Itala Békés, Éva Bata.
Imovision
Trailer:
Assista: entrevista com a atriz Alexandra Borbély