Cozinhar F*der Matar apresenta um problema e algumas soluções possíveis, todas envolvendo situações que expõem as violências e os traumas do protagonista Jaroslav.
Assim, o problema que Jaroslav precisa resolver é que ele não pode ver seus filhos, que estão trancados na casa da avó de Blanka, sua mulher. E ela só permitirá que o pai veja as crianças se a sogra transferir o apartamento dela para eles.
Em suma, a família é totalmente disfuncional. Para começar, a mãe de Jaroslav trai o marido com o pai de Blanka. Então, numa das alternativas de solução, Jaroslav faz sexo com sua sogra. E o passado ainda desenterra violência doméstica do pai de Blanka. Bem como o abuso sexual do pai de Jaroslav, que por isso o vestia de menina quando criança e preferia que ele tivesse nascido mulher.
Alternativas
Enfim, as três alternativas que o filme apresenta revelam gradativamente mais camadas desses segredos que assombram o presente. Na primeira, fica evidente a violência doméstica e o ódio de Jaroslav pela mãe. Depois, há indícios da homossexualidade dele e infidelidade de várias partes. Por fim, o protagonista agora assume forma feminina. Na conclusão, há ainda o início de mais uma solução possível, esta não desenvolvida, que revela que o assunto não está esgotado.
E em todas as opções, o protagonista morre no final. O início de cada parte o mostra chegando ao apartamento da mãe, dirigindo uma ambulância. Como em Feitiço do Tempo (1993), as situações partem da mesma origem, possuem desenvolvimentos diversos, e desembocam em uma conclusão similar. Afinal, Jaroslav não consegue fugir de seu destino fatal.
A direção
A diretora tcheca Mira Fornay realiza em Cozinhar F*der Matar seu quarto longa-metragem. E é uma obra corajosa, que lembra os temas dos filmes do cineasta grego Yorgos Lanthimos. Definitivamente, este filme cutuca feridas incômodas, sem se preocupar com limites do que é usual ou mesmo aceitável colocar nas telas. Como exemplo dessa ousadia, está a menina pré-adolescente, que representa a versão menina de Jaroslav, usando uma rã para se masturbar.
No aspecto técnico, Mira Fornay mostra inventividade com consistência. Nesse quesito, todos os três segmentos se encerram com a câmera subindo para o céu, após a morte do protagonista – como se fosse sua alma ascendendo, ou a visão de um ser superior. Analogamente, ela coloca, também, um congelamento de cena diferenciado, pois no lugar do fotograma, os atores é que se mantêm estáticos.
Teatro
Por outro lado, Fornay traz o teatro para dentro do filme em boa parte do segundo segmento. Nele, a câmera fixa enquadra a mesa na casa do pai de Jaroslav, onde toda a família almoça, em um longo plano sequência. Assim, do teatro antigo, Cozinhar F*der Matar resgata o coro grego, formado por personagens periféricos que falam em grupo em algumas cenas.
Para completar, vale a pena atentar também para o criativo plano em que Jaroslav caminha pelo corredor da casa do seu pai e, no espelho, o reflexo dele se alterna entre suas versões masculina e feminina.
Por fim, Cozinhar F*der Matar, definitivamente, não é um filme agradável de se assistir. Afinal, apresenta, sem filtros, comportamentos deploráveis dos seus personagens e a sua trama demanda a interpretação do espectador. Apesar de seu tom pesado, o filme é muito bem dirigido por Mira Fornay.
A título de informação, Cozinhar F*der Matar está na programação da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, dentro da Perspectiva Internacional.
Obs: tivemos acesso a esse filme na cabine para a imprensa da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Ficha técnica:
Cozinhar F*der Matar | Cook F**k Kill | 2019 | República Tcheca/Eslováquia, 116 min. Dir/Rot: Mira Fornay. Elenco: Jaroslav Plesl, Petra Fornayová, Regina Rázlová, Jan Alexander, Jazmína Cigánková, Irena Bendová, Roman Lipka, Mária Surková, Mária Fornayová, Emil Fornay, Lucia Steinerová, Cyprián Sulej, Tereza Krasnanská, Michaela Hollá.