A dupla de diretores iranianos Ali Asgari e Alireza Khatami consegue reproduzir a vida em seu país em nove relatos sequenciados em uma hora e dezessete minutos. Crônicas do Irã faz jus ao seu título na forma e no conteúdo.
O filme é composto de histórias curtas, cada uma revelando um aspecto do cotidiano em Teerã. Entre elas, uma menina precisa aceitar a roupa que a mãe escolhe para ela. Uma diretora, no relato seguinte, chama a atenção de uma aluna porque ela cabula aulas para sair com um rapaz. Já a falta de uso do véu causa problemas para uma motorista de aplicativo. Em outro episódio, uma mulher sofre assédio numa entrevista de emprego. E, em outro, uma senhora não consegue que a polícia inicie uma busca por seu cachorro perdido.
Contudo, não são apenas as mulheres que sofrem perrengues no Irã. Assim, uma crônica mostra um homem que quer registrar o nascimento do seu filho, mas o cartório não aceita que o nome dele seja Davi. Ao busca sua carteira de habilitação, um homem precisa mostrar suas tatuagens e justificá-las. Uma entrevista de emprego se transforma numa sabatina religiosa para um trabalhador desempregado. Por fim, um diretor de cinema precisa arrancar várias páginas do seu roteiro por causa da censura.
Um dia na vida
No geral, todos apontam para algum problema que os cidadãos enfrentam no país, causados pela falta de liberdade, pelo machismo, pelo excesso de autoridade, pelo extremismo religioso. A rotina dos iranianos não é fácil, como o diretor Ali Asgari já apontara em um de seus filmes anteriores, Disappearance (2017), que retrata a angústia de um jovem casal em busca de socorro médico urgente durante uma noite na capital do Irã. Desta vez, no lugar do tom dramático, Asgari (junto com o codiretor Alireza Khatami), faz prevalecer o humor inteligente, que aparece nos detalhes. Por exemplo, quando o cartorário, por meio de uma lógica absurda, sugere que o pai coloque no filho o nome do escritor preferido dele. Ou no fato de a menina dançar e aparentar mais alegria quando não está com a roupa que a sua mãe escolhe para a cerimônia.
A narrativa coloquial dos personagens combina com a forma simples de filmar de Crônicas do Irã. Os esquetes possuem um plano único, sem cortes, com a câmera fixa registrando apenas o personagem vitimado na situação, e do seu interlocutor, que nunca vemos, ouvimos apenas a voz em off. É o supra-sumo do modelo de produção barata e rápida, fruto de muito planejamento e criatividade.
Além disso, para inserir um toque poético, de pura genialidade, Crônicas do Irã traz uma abertura e um fechamento que se conversam. Abre com uma panorâmica da cidade de Teerã, lentamente amanhecendo. Parece uma visão otimista sobre um dia na vida, mas que termina na morte da pessoa (prevendo o que aconteceria com aquele idoso que morreu em uma agência bancária no Brasil) e da cidade, que desmorona por causa desse interlocutor invisível que é o sistema.
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Ficha técnica:
Crônicas do Irã | Ayeh haye zamini | 2023 | 77 min | Irã | Direção: Ali Asgari, Alireza Khatami | Roteiro: Ali Asgari, Alireza Khatami | Elenco: Bahram Ark, Ali Asgari, Alireza Khatami, Majid Salehi,Gohar Kheirandish, Sadaf Asgari, Hossein Soleimani, Farzin Mohades, Arghavan Shabani.
Distribuição: Imovision.
Assista ao trailer aqui.