O diretor Marcelo Brennand teve a oportunidade de se munir das experiências vividas durante a realização de seu documentário Porta a Porta (2010), que registrou durante três meses as campanhas dos comitês políticos no interior nordestino. Com essa bagagem na mente, escreveu (ao lado de Fernando Honesko) o longa de ficção Curral, lançado em 2020. E, não resta dúvida de que levanta uma trama instigante, de como funciona os esquemas de compras de votos das populações afastadas que precisam de ajuda pública para sobreviver. Não há filtros nem alegorias, o filme revela tudo isso claramente.
Mas ficamos com a sensação de que esse rico material deveria ter caído em mãos mais experientes na direção. Brennand debuta na função, com cacoetes que atrapalham a fruição da trama que se concentra na perspectiva de um funcionário da prefeitura que perde o emprego e começa a trabalhar na campanha de um amigo de infância que se candidata a vereador.
Comunicação prejudicada
Praticamente todo o filme foi captado com a câmera na mão, talvez por ser mais prático. Porém, na tela, as imagens trêmulas provocam uma sensação de instabilidade. Aliás, esse recurso deve ser usado justamente com essa finalidade, sendo seu uso muito comum. Mas, quando empregado numa cena que não pede esse truque, acaba desviando a atenção da história que está sendo contada.
O prólogo de Curral é um exemplo, pois vemos uma senhora carregando um burro com vasilhas de água – a intenção é de passar a mensagem da escassez de água, mas acabamos por buscar outros significados que não existem. Além disso, outro problema recorrente no filme é o enquadramento. Neste mesmo prólogo, a câmera está próxima demais do objeto filmado, e seria mais adequado estar com o animal e a mulher inteiramente no quadro.
Outros problemas também minam o potencial da trama. Por exemplo, num plano geral, que possui a clara intenção de mostrar o bairro dividido entre os candidatos do partido de cor azul e os de cor vermelha, vemos as bandeiras apenas nas casas mais próximas enquanto na vasta maioria não há nenhuma indicação dessa cisão. Sabemos que há orçamento restrito, mas alguns detalhes não implicam em gastos tão grandes, e hoje temos as possibilidades de mexer na pós-produção.
Atenção a todos os elementos em cena
Todos os elementos que estão na mise-en-scène são importantes, daí não podemos deixar de questionar o uso diegético da música “Winds of Change” do Scorpions durante uma cena em que o protagonista dirige um carro ouvindo o rádio. A canção tem cunho político, mas a respeito da queda do muro de Berlim, nada a ver com a história do filme. Da mesma forma, não podemos ignorar a inserção barata de uma notícia sobre compras de votos que a televisão transmite enquanto os personagens em cena estão justamente praticando esse crime.
Entretanto, a história é forte, e expõe uma prática ilegal, já secular, que continua a acontecer ainda hoje. Mesmo com esses problemas de direção, Curral merece ser visto para que sirva de iluminação para quem ainda se deixa cegar por essa política interesseira.
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Ficha técnica:
Curral (2020) Brasil. 84 min. Direção: Marcelo Brennand. Roteiro: Marcelo Brennand, Fernando Honesko. Elenco: Thomas Aquino, Rodrigo Garcia, Carla Salle, José Dumont, Mayara Millane, Rubens Santos.