O violentíssimo Desejo de Matar (Death Wish), de 1974, captura o estado de espírito da Nova York da época, bem como o que a sociedade norte-americana sentia naqueles tempos de profunda desilusão proveniente da Guerra do Vietnã, do escândalo de Watergate e muito mais. Este filme se encaixa no movimento da Nova Hollywood, por esse aspecto, embora seu diretor Michael Winner tenha iniciado sua carreira no finalzinho dos anos 1950.
Michael Winner retrata Nova York como ela era, filmando muitas cenas noturnas, com os espaços urbanos vazios, sujos e violentos. É este cenário que transforma o pacato engenheiro Paul Kersey (Charles Bronson) num justiceiro que sai às ruas à noite para eliminar os bandidos que tentam roubá-lo.
O filme começa numa idílica viagem de férias de Paul e sua esposa Joanna (Hope Lange) no Havaí. Esse trecho ensolarado na praia contrasta com a cinzenta Big Apple, e os colegas do protagonista comentam como deve ser ruim voltar para esse antro da violência. Dito e feito, três malucões (um deles interpretado por Jeff Goldblum) invadem o apartamento deles durante a ausência de Paul, espancam a esposa e estupram a filha, numa cena das mais brutais. Como resultado, Joanna morre e a filha Carol (Kathleen Tolan) fica catatônica.
Um pacífico na pele de justiceiro
Para evidenciar o quanto Paul é pacífico por natureza, numa das noites após esse evento trágico, ele volta para casa depois do trabalho e bebe um copo de leite (e não de whisky ou outra bebida alcoólica). Porém, vê da sua janela um grupo de rapazes quebrarem o vidro de um carro estacionado para levarem uma bolsa que estava lá dentro. Diante dessa rotina de terra sem lei, ele então coloca uns pesos numa meia para carregar consigo no bolso. No dia seguinte, ao reagir diante de um assalto, ele acerta o bandido com essa meia. E, passa mal de nervoso ao chegar em seu apartamento.
A cabeça de Paul muda de vez quando ele faz uma viagem de negócios para Tucson, no Arizona. Naquele lugar, todos ainda pensam como nos tempos do faroeste, segundo indica o enredo. Quase todos possuem um revólver pessoal e, num clube de tiro, Paul reacende seus dias de caçador na juventude. Ao retornar para Nova York, traz na bagagem um revólver e munições que ganhou de presente.
Assim, nasce o justiceiro anônimo, que anda pelas ruas à noite para atrair os assaltantes e depois atacá-los de surpresa. Suas vítimas se tornam cada vez mais numerosas, e seus atos viram notícia. Hoje soa até exagerado (diante da escalada da violência nesses anos todos), mas em uma cena há jornalistas de países europeus cobrindo a coletiva de imprensa da polícia.
Vincent Gardenia tem um ótimo papel como o inspetor de polícia Frank Ochoa. Falando de uma forma dura, mas sensata, esse personagem carismático faz de tudo para descobrir quem é o justiceiro. Porém, no fundo ele não quer prendê-lo porque a criminalidade baixou desde que Paul começou a agir. Sua solução para esse problema parece coisa do Velho Oeste, como bem aponta o próprio Paul Kersey.
Hancock e Page
Uma valiosa contribuição para a ambientação dessa Nova York em crise é a maravilhosa trilha musical composta por Herbie Hancock. Seu jazz com muito swing tem a cara dos anos 70 e é perfeita para o clima predominantemente noturno de Desejo de Matar. Nesse quesito, a franquia continuou bem em Desejo de Matar 2 (1982) e Desejo de Matar 3 (1985), também dirigidos por Michael Winner, que contaram com Jimmy Page como compositor da trilha musical.
Apesar de o protagonista matar os bandidos sem indícios de sadismo, Desejo de Matar certamente é violento, mas sua violência não é descabida. Retrata como era a vida em um grande centro urbano como Nova York. É brutal, mas é real.
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Ficha técnica:
Desejo de Matar | Death Wish | 1974 | 93 min. | EUA | Direção: Michael Winner | Roteiro: Wendell Mayes | Elenco: Charles Bronson, Hope Lange, Vincent Gardenia, Steven Keats, William Redfield, Stuart Margolin, Stephen Elliott, Kathleen Tolan, Jack Wallace, Jeff Goldblum.