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Diário de Gramado | dias 1 e 2 | por Sérgio Alpendre

Cena do filme "Motel Destino"

No dia da abertura do Festival de Gramado 2024, o frio castiga os turistas na rua (os turistas gostam, pois a cidade fica cheia e, ao se preparar para recebê-los, fica muito bonita, principalmente à noite). Foi exibido, fora da competição, o tal filme do aplauso de doze minutos em Cannes, segundo a propaganda que corre na cinefilia: Motel Destino, de Karim Ainouz.

Falou-se muito do erotismo, e não era para tanto, comparado a outros filmes de Ainouz, como Madame Satã (2002) ou O Céu de Suely (2006). Falou-se também de ser um filme inteiramente cearense, mas a ambientação poderia ser em qualquer lugar que tivesse muito sol e uma bela paisagem.

Motel Destino

O longa retoma o livro de James M. Cain, O Destino Bate à Sua Porta, de uma forma bem livre, acrescentando e alterando coisas o suficiente para o livro ser apenas uma referência distante, como já haviam feito antes e melhor diretores como Luchino Visconti (em Ossessione, de 1943) e Paulo Cesar Saraceni (em Porto das Caixas, de 1962), entre outros.

Em vez de ajudar num assalto, Heraldo (Iago Xavier) estava sendo roubado por uma estranha que o levou ao motel do título. Sem ter como pagar pelo quarto, ele deixa o RG e tenta encontrar seus comparsas. Descobre que seu irmão faleceu ao ser baleado pela polícia, e o resto da gangue quer matá-lo porque ele os deixou na mão. Ele então volta ao motel e pede para ficar ali por um tempo. A dona, Dayana (Nataly Rocha), aceita, como se fosse uma coisa normal. Seu marido, Elias (Fábio Assunção), também aceita. Que sorte tem Heraldo! Ele começa a trabalhar no local e se torna amante de Dayana.

Essa subtrama do assalto é uma bobagem e sempre que retorna não faz muito sentido. Mas pior é a sequência do clímax, com uma espécie de retomada do cinema brasileiro dos anos 1980, mas de uma maneira nada inventiva, cheia de clichês do cinema de ação. Pior é o final, quando o filme se desloca de Cain para reencontrar um dos pontos mais baixos da carreira de Ainouz: Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo. Ao menos é um filme interessante. Da outra vez que vim a abertura foi O Grande Circo Místico, em que o erotismo me pareceu maior, mas foi uma sessão sofrida.

Curtas

No segundo dia, oito curtas gaúchos foram exibidos no Palácio, durante a tarde, com sala lotada. Nenhum deles é notável, mas quatro são mais interessantes: Cassino, de Gianluca Cozza; Janeiro, de Boca Migotto; Zagêro, de Victor Di Marco e Márcio Picoli; e Correnteza, de Diego e Pablo Müller. Esperemos que a situação do curta gaúcho se mostre mais forte amanhã.

O Clube das Mulheres de Negócios

À noite, foi exibido o primeiro longa da competição brasileira, O Clube das Mulheres de Negócios, de Anna Muylaert, que fez um belo discurso de apresentação. Muitos aplausos da equipe e de amigos, como também de alguns dos presentes, muitas broncas no boca-a-boca da saída. Muito do pessoal mais jovem detestou a falta de tato com questões atuais de gênero. Na questão da inversão homem-mulher, faltou mesmo um pouco mais de nuances. Mas não há vaias aqui, como há com alguma frequência no Festival de Brasília. Em Gramado há só quem grita de aprovação e quem fica quieto (tímidos e pouco entusiasmados). Parece mais torcida de futebol, como em Tiradentes.

Uma pena que o filme despenque a partir da metade final, pois o início é promissor. Grandes atrizes – Cristina Pereira, Louise Cardoso, Irene Ravache, Katiuscia Canoro, Ítala Nandi, Grace Gianoukas, Helena Albergaria, numa trama de inversões de papeis que vai bem até ficar cada vez mais simplista e reiterativa. Um matriarcado imaginado até certo ponto, com uma imagem completamente desnecessária no final, pois quase todo mundo na plateia já tinha entendido a questão principal do filme.

Em comum com Motel Destino, a presença de animais selvagens e ameaçadores, como uma cobra (em comum nos dois filmes) e três onças no filme de Muylaert. O Clube das Mulheres de Negócio tem mais humor que o filme de Ainouz, mas nem sempre esse humor é bem pensado e realizado.

Está longe de ser o horror que pintaram nos comentários que ouvi, mas é decerto um desperdício de ideia e de grandes atrizes (os homens, mais uma vez em filmes da diretora, interpretam mal).

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.

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