Primeiro vimos o filme inglês Blue Jean, que lembra, sem remeter de fato, à canção de David Bowie. Agora, Disco Boy – Choque Entre Mundos, primeiro longa de ficção do italiano Giacomo Abbruzzese, lembra, mas com ainda maior distância, a canção de Frank Zappa. O cinema parece se inspirar no rock clássico, ao menos para os títulos dos filmes.
Na trama, Franz Rogowski (ator de Undine [2020] de Christian Petzold, e de Passagens [2023], de Ira Sachs, que estreia dia 17/08 nos cinemas) interpreta Aleksei, jovem bielorrusso que para não ficar clandestino na França se alista na Legião Estrangeira, recebendo a promessa de, em cinco anos, obter seu passaporte francês. Sua primeira missão é combater um grupo de guerrilheiros que age no delta do Rio Niger. Chegando lá, depara-se com a questão: “o que, afinal, estou combatendo?”. Tudo isso num ritmo hipnótico, embora as coisas aconteçam depressa porque o filme trabalha com várias elipses.
Zelig
Aleksei é um personagem zeliguiano. No começo, no ônibus dos torcedores de futebol, por vezes se confunde com o amigo no gestual e nas expressões. No rio onde o amigo presumivelmente morreu afogado durante a travessia ilegal, vê seu próprio rosto no reflexo da água, como se fosse ele o defunto.
Na Legião, durante os treinamentos, também se confunde com um outro soldado, embora fossem bem diferentes um do outro. Na selva nigeriana, usando graxa para se camuflar, torna-se igual aos aliados e aos “inimigos” no combate. Até ir aos poucos se metamorfoseando naqueles que a França quer que ele combata.
Essa metamorfose se inicia e se completa pela dança, pela batida eletrônica e pelos movimentos coreografados de um ritual. Aleksei queria se tornar cidadão francês, mas na verdade se torna parte de uma rede imaginária de perseguidos pelo mundo, de gente que não participa da festa neoliberal. Por mais que se esforce, o sentido de pertencimento é mais forte com essa gente, contra os imperialistas.
Rogowski e Abbruzzese
Rogowski está ótimo, melhor que no filme de Petzold, mas talvez Abbruzzese exagere um pouco no teor hipnótico, fazendo com que esbarre na caricatura. Em muitas cenas, o rosto expressivo do ator se perde nos sons graves que parecem insinuar algo drástico a caminho, mas é só mais uma maneira de se situar na contemporaneidade cinematográfica.
Nesse sentido, Abbruzzese está no lado oposto ao de Zappa. Este lida com a música de sua época de maneira sempre crítica, por vezes satírica, inventando novas formas no processo, enquanto o diretor de Disco Boy prefere aderir a modismos que, por vezes, até fazem o filme ser formalmente interessante, porque modismos podem ser bem ou mal-usados, mas encalha no limite do derivativo nos momentos em que poderia atingir os mais altos voos.
A metáfora do helicóptero é precisa. Um personagem dependurado observa o cenário onde lutou com os inimigos, mas agora friamente, sem o risco de ser esfaqueado ou golpeado. O grupo inimigo tem metralhadoras, mas sabe que aquele ser que foge já está do outro lado do conflito, que sua metamorfose está em curso. Nós também assistimos ao filme cada vez mais distantes, quase anestesiados, e não participamos de embate algum.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, exclusivamente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
Disco Boy: Choque Entre Mundos | Disco Boy | 2023 | França, Itália, Bélgica e Polônia | 91 min | Direção e roteiro: Giacomo Abbruzzese | Elenco: Franz Rogowski, Morr Ndiaye, Laetitia Ky, Leon Lucev, Robert Wieckiewicz, Matteo Olivetti, Michal Balicki.
Distribuição: Pandora Filmes.
Trailer aqui.