Disque Jane (Call Jane) é o segundo longa da diretora Phyllis Nagy, que estreou no formato com Mrs Harris (2005), filme para TV protagonizado por Annette Bening e Ben Kingsley. Mas é o seu trabalho como roteirista de Carol (2015), de Todd Haynes, que se aproxima mais do tema deste seu novo filme. Afinal, os dois tratam da liberdade feminina, seja para amar (Carol) quanto para ter autonomia sobre o seu corpo (Disque Jane). Aliás, são dois filmes de época, mas que levantam questões ainda não sedimentadas por completo.
O enredo
Disque Jane se passa em 1968. O enredo apresenta Joy (Elizabeth Banks) como uma típica dona de casa estadunidense, daquelas que limitam suas ambições a preparar um jantar que agrade o marido. O casal tem uma filha de 15 anos e espera um novo bebê. Porém, os dois descobrem que a gravidez coloca em risco a vida de Joy, diagnosticada com um problema de saúde grave. Apesar disso, o comitê de diretores do hospital não autoriza a interrupção da gravidez. Então, esgotadas outras alternativas, Joy busca uma clínica de aborto clandestina. Surge aí o primeiro equívoco do filme, quando a protagonista está desesperada e, de repente, começa a chover forte. Nada mais é do que um truque para mostrar que “tudo está dando errado para ela”, mas soa forçado e cria até um inapropriado efeito cômico.
Nesse ponto, ela vê o cartaz com um chamativo “Disque Jane” em letras garrafais, um serviço que oferece soluções para grávidas. Segue-se, então, o trecho mais tenso da história, quando Joy se submete ao procedimento abortivo ilegal. As canções da época, muito presentes ao longo do filme, desaparecem. Assim, sob o silêncio exigido pelo médico, a câmera foca Joy em close-up, alternando com seu ponto de vista. Sem precisar recorrer a detalhes cirúrgicos, a cena consegue transmitir o gigantesco medo da paciente.
Tom oscilante
Depois, o tom fica mais leve. Arrisca-se em colocar um pouco de um humor, por exemplo, quando Virginia (Sigourney Weaver), líder do grupo Disque Jane, provoca Joy por ser recatada demais. Nesse trecho, a letra da canção “What’s Going On Down There” ajuda a contar a história, recurso que se repete ao longo do filme.
Mas, Disque Jane chega a cometer alguns deslizes no aspecto cômico. Por exemplo, na cena em que Joy prepara um monte de tortas com a abóbora que usou para treinar a prática de fazer abortos. Na verdade, essa oscilação de tom representa o principal defeito do filme. Outro exemplar recente que aborda o tema, de maneira mais consistente, é o francês O Acontecimento (L’événement, 2021), de Audrey Diwan, que se mantém firme em seu viés dramático.
Disque Jane se baseia na história do The Jane Collective, que ajudou mulheres a conseguirem abortar em Chicago numa época em que isso ainda era ilegal. A trama individualiza a narrativa na personagem principal Joy, que é fictícia. O momento é propício para o lançamento do filme, visto que há um retrocesso na lei aprovada em 1973 – o famoso caso “Roe vs. Wade”. Outras produções, por sua vez, são contrárias à legalização do aborto, como o fraco O Direito de Viver (Roe v. Wade, 2021).
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Ficha técnica:
Disque Jane | Call Jane | 2022 | 121 min | EUA | Direção: Phyllis Nagy | Roteiro: Hayley Schore, Roshan Sethi | Elenco: Elizabeth Banks, Sigourney Weaver, Chris Messina, Kate Mara, Wunmi Mosaku, Cory Michael Smith, Grace Edwards, Kristina Harrison.