Enquanto acompanhamos a tragédia da personagem principal, Entre Dois Mares apresenta os conflitos que surgem dos novos papeis da mulher numa sociedade patriarcal e conservadora numa pequena cidade no interior do Egito.
A história
Zahra está em conflito com sua mãe, porque ela já quer encaminhar para o casamento sua filha adolescente, Shahd. Então, os pensamentos antiquados da mãe a levam a agir secretamente com o genro. Juntos, realizam uma circuncisão na menina com um enfermeiro, mesmo que essa prática seja ilegal. Quando o procedimento dá errado, Shahd morre, destruindo o seu sonho de um dia ser uma médica como Amal, a amiga de Zahra. Na sequência, o delegado local enfrenta dificuldades para condenar o enfermeiro, encobertado pelos amigos.
À parte essa linha de ação principal da narrativa, Entre Dois Mares se concentra na apresentação desse cenário conflituoso da sociedade tradicional egípcia com o novo papel da mulher que anseia por independência. Nesse sentido, a mãe de Zahra não é uma pessoa má. Afinal, ela acredita na circuncisão como etapa importante para a neta conseguir um casamento feliz. E esse é o grande objetivo para a mulher, segundo o que ela e as gerações antes dela acreditam. E, com essa crença, ela ainda culpa a irmã mais velha de Zahra, que sempre reclama do marido que a agride.
Outra tradição que ela mantém é acreditar que o filho, afastado há cinco anos da família, voltará para ajudá-la economicamente. Ele retorna, casado com uma mulher rica, mas sem intenção de prestar qualquer auxílio no sustento da família.
Análise
Por outro lado, a médica Amal representa a emancipação que Zahra e outras mulheres egípcias almejam. E Entre Dois Mares transmite a esperança de que mudanças nesse sentido estão se concretizando. Porém, o filme resolve as questões com uma simplicidade exagerada, onde tudo dá certo. Em outras palavras, a mãe de Zahra e o seu marido se arrependem da decisão da circuncisão, Zahra termina seus estudos e começa a lecionar, e sua irmã deixa o marido e inicia um trabalho.
E o filme também coloca uma crítica na religião, ao mostrar o imã da mesquita local, que é o pai do cunhado agressor de Zahra. Seus sermões são deploráveis e ultraconservadores. Ao final, é revelado que ele já tinha sido substituído por um novo imã, e ocupava indevidamente o posto. E o seu sucessor sobe ao altar com um belo discurso inicial.
Além disso, faltou no roteiro um destaque maior para a relação de Zahra com sua mãe, após a tragédia. O filme foca mais no conflito com o marido. Assim, Zahra só discute com a mãe quando, mais tarde, ela está na cama doente, para se reconciliarem. A narração que fecha o filme aproxima o espectador da protagonista. Na verdade, esse recurso poderia ter sido utilizado durante toda a estória, principalmente para esclarecer o seu sentimento em relação à mãe.
Por fim, Entre Dois Mares, assim, possui grande relevância nesse debate entre gerações quanto ao papel da mulher na sociedade, que é bem mais potente que sua tênue narrativa dramática.
Ficha técnica:
Entre Dois Mares (Between Two Seas, 2019) Egito. 87 min. Dir: Anas Tolba. Rot: Karim Dalil, Mariam Naoum, Amany Al Tounsi. Elenco: Ahd Abdelmoneim, Hassan Abdullah, Fatma Adel, Mahmoud Fares, Tharaa Goubil, Yara Goubran, Arfa Abdel Rassoul, Loubna Wanas.