Entre Dois Mundos é o terceiro longa do diretor francês Emmanuel Carrère, que também é escritor, sendo o autor do livro que deu origem ao filme Limonov: O Camaleão Russo (2024), de Kirill Serebrennikov.
Por sinal, Entre Dois Mundos também se baseia em um livro, “A Faxineira” (Le Quai de Ouistreham), de Florence Aubenas. O tema parece pertencer ao cinema de Ken Loach, pois retrata a dura vida da classe trabalhadora. Porém, aqui com um detalhe que o diferencia.
No início, parece que o enredo, de fato, soa loachiano. Marianne (Juliette Binoche) se muda de Paris para Caen, saindo de uma confortável vida que tinha com o marido, que morreu, para aceitar qualquer trabalho para sobreviver. Embora seja formada em Direito, não consegue mais atuar na área, por permanecer décadas sem trabalhar. Então, aceita um contrato de prestação de serviço numa empresa de limpeza. Uma montagem com vários planos dessa rotina é suficiente para mostrar que Marianne se adapta a esse padrão de vida mais modesto.
No entanto, a classe trabalhadora muitas vezes sofre injustiças. E, por conta de duas supervisoras mal-intencionadas, Marianne entra em conflito com o empregador e precisa procurar outro trabalho. A convite de sua colega Chrystèle (Hélène Lambert), ela começa a trabalhar no cais de Ouistreham, na limpeza dos quartos dos navios que ali se atracam.
A verdade
Surge, então, uma virada na trama. A recrutadora reconhece que Marianne é uma escritora de livros, e esse trecho serve para o espectador obter essa informação. A partir desse momento, essa personagem passa a ser vista de outra forma. Logo se percebe que Chrystèle será usada como modelo para a escritora criar a protagonista do livro, que retrata a vida das faxineiras. Sob o disfarce de pertencer a essa classe de trabalhadores, Marianne descobre uma realidade dura, mas rica na camaradagem entre as colegas, que compartilham alegrias e dores e se ajudam.
O filme se deixa levar um pouco demais na demonstração desse ambiente. Por exemplo, a despedida de uma das faxineiras se prolonga além da conta. E, ainda termina com uma dancinha – que o crítico Sérgio Alpendre aponta como quase que obrigatória no cinema médio francês contemporâneo.
Para compensar, o enredo traz uma inesperada cena de ação, quando Marianne, Chrystèle e Marilou (Léa Carne), que se tornaram amigas, não conseguem sair a tempo de um transatlântico que sai do porto. Esse momento de alegria não planejada se contrasta com a decepção que Chrystèle e Marilou sentem quando descobrem a verdade. Por fim, a conclusão austera eleva a percepção sobre Entre Dois Mundos, deixando claro que a confiança é o valor que garante a resiliência dessas trabalhadoras.
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Ficha técnica:
Entre Dois Mundos | Ouistreham | 2021 | 107 min. | França | Direção: Emmanuel Carrère | Roteiro: Emmanuel Carrère, Hélène Devynck | lenco: Juliette Binoche, Hélène Lambert, Léa Carne, Emily Madeleine, Patricia Prieur, Evelyne Porée, Didier.
Distribuição: Pandora.