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Entrevista com Rafael Gomes, diretor de “45 Dias Sem Você”

45 Dias Sem Você (filme)

O romance “45 Dias Sem Você” estreia nos cinemas e nas plataformas digitais no dia 16 de maio. O seu diretor, Rafael Gomes, conversou com o Leitura Fílmica para falar um pouco desse seu novo filme, de sua carreira, e dele mesmo. Confiram abaixo!

Rafael, “45 Dias Sem Você” é um filme autobiográfico?

Dizer que é um filme “autobiográfico”, nesse caso, eu acho redutor. Porque essa nomenclatura pressupõe que ele seja sobre a minha vida e ele não é. Não só. Prefiro dizer que é “um filme de ficção com personagens documentais”. Porque mais do que ficcionalizar um fato que eu tenha vivido, a trama ficcionaliza circunstâncias e contextos muito reais da vida dos três protagonistas-exilados: Júlia em Londres, Fábio em Coimbra e Mayara em Buenos Aires. Essas três pessoas de fato moraram nessas cidades pelos motivos que o filme apresenta. E viveram alguns dos conflitos que estão na tela. E os lugares, as casas, os amigos e os amores deles, tudo isso é real, ou parte do real.

Em cima dessa geografia humana eu construí o roteiro. Então, não dá pra dizer que é autobiográfico. Esse “auto” não conta a história inteira.

Entendi. Já vimos em outros filmes a utilização de personagens com o mesmo nome do ator, mas em “45 Dias Sem Você” são todos os atores e eles ainda moram de fato nos locais das locações. Com qual intenção você fez isso?

Eu diria que a lógica é inversa, e isso se relaciona à primeira resposta. Não existe uma intenção ao fazer isso: eu só tive vontade de fazer o filme porque essa era a circunstância, porque essas pessoas existiam, e existiam do jeito que existiam nos lugares em que existiam. Então o filme é a própria intenção. Se ele partia tão diretamente da realidade, me interessava borrar as fronteiras.

O filme foi rodado em vários países, sem prejudicar a unicidade das imagens captadas. Qual era a equipe técnica em cada local?

Em relação à unidade das imagens, é importante ressaltar que a fotografia foi feita inteiramente pela mesma pessoa, que é a Dhyana Mai. Ela realizou um trabalho extraordinário, sozinha, contando com muita pouca estrutura técnica. Era uma equipe de três pessoas viajando: a fotógrafa, eu e o Henrique Carvalhaes, produtor. Fora, claro, o ator protagonista (Rafael De Bona). Além da gente, havia somente um técnico de som, contratado em cada local de filmagem. E o restante do elenco, claro, que é inteiramente local.

E todos os atores são excepcionais, você já os conhecia? Fiquei encantado, principalmente, com Rafael de Bona e a Julia Correa, atriz do segmento inicial.

Sim, eu já os conhecia. Eram e são meus amigos. E foi ao observá-los e percebê-los auto-exilados, em situações e por motivos tão diferentes, mas tão iguais, que eu tive vontade de filmar suas vidas e criar um roteiro que compreendesse essa viagem. Para ser completamente sincero, foi depois de passar alguns dias com a Júlia em Londres que eu pensei: acho que pode ter um filme aqui.

Apesar de seu currículo teatral, esse seu filme de estreia é essencialmente cinematográfico, com uma linguagem visual que conduz a narrativa sem recorrer somente aos diálogos. De onde vem seu talento para o cinema, de alguma vivência prática, de estudos acadêmicos, da cinefilia?

Fico feliz com o comentário, porque eu reconheço que é, também, um filme bastante falado. Mas, na medida do possível, eu tentei buscar um equilíbrio visual.

Minha graduação é em Cinema. Dirigi seis curtas-metragens, episódio de duas séries de TV e, desde 2012, venho trabalhando sistematicamente com roteiro audiovisual (assino mais de 60 episódios de séries produzidos). O teatro surgiu depois. Mas, ironicamente, acabou acontecendo mais forte e mais rápido, nos últimos anos. Agora eu consegui, enfim, voltar ao cinema.

A linha de tempo que aparece graficamente no filme acompanhando a jornada de Rafael amarra com inteligência tempo, espaço e personagens. O primeiro destino é o mais distante, Londres, com Julia, depois passa por Coimbra, com Fábio, e, enfim, por Buenos Aires, já perto do Brasil, com Mayara, e fecha em São Paulo, onde Rafael encontra a si mesmo. Como surgiu a inspiração para essa ideia genial?

Eu sentia vontade de que o filme fosse fruído como um ‘road movie’ sentimental, ou como um álbum de viagens. Nesse sentido, o conceito de mapa me é bastante caro – mapas organizam tempo e espaço e nos situam, mesmo que a partir deles nós queiramos nos perder. Então ter uma espécie de mapa no filme, além da marcação óbvia de espaço (já que é uma história itinerante), me pareceu que poderia também funcionar como uma metáfora do Rafael se reorganizando internamente, dia após dia. E indo muito longe para se olhar mais de perto.

O tempo é um elemento essencial em “45 Dias Sem Você”. Rafael esperou 45 dias pelo seu amado, e sua jornada fecha no 45º dia. A caixa de chocolates também reforça o tempo. Rafael, qual a importância do tempo para você?

Sendo seres finitos, acho que o tempo é, pra todos nós, sempre, o motor da existência. O que impulsiona e apavora. Em específico, posso dizer que minha relação com o tempo é bastante ambivalente. Às vezes a efemeridade me aterroriza. Às vezes o tempo passar é apaziguador. Acho que no filme isso acaba um pouco expresso: são os dias longe do amor que afligem e angustiam, e também é o tempo que vai curar aquele coração partido, assim como qualquer coração partido.

Apesar de o personagem principal ser gay, “45 Dias Sem Você” não procura explorar esse fato, seus melhores amigos que ele revê nessa jornada são heterossexuais e isso não interfere em nada nessa amizade, o que é um retrato muito comum atualmente. Sem ser panfletário, o filme inspira a tolerância à diversidade sem nem ter que tocar no assunto. Isso foi planejado por você quando escreveu a estória?

Sim. Exatamente nesses termos que você coloca: não ser panfletário e, dessa forma, inspirar a tolerância e a diversidade. Essa lição posso dizer que aprendi com Daniel Ribeiro, que é coprodutor do longa e também diretor do filme “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, que opera nessa exata mesma chave.

Eu acreditava e acredito que apresentar um personagem gay sem que a sua sexualidade esteja em questão, fazendo, portanto, o público conectar-se a ele e à história aceitando plenamente sua homossexualidade, pode ser uma das maneiras mais eficazes e poderosas de discurso e de convencimento. Porque, no fim, trata-se disso, apenas: naturalizar algo que deve ser natural.

Seu filme transborda sensibilidade, e os atores trazem isso para a tela com rara autenticidade. Você acredita que essa característica é um reflexo da sua própria personalidade?

É difícil responder essa pergunta de forma objetiva, mas acho que qualquer obra é reflexo da personalidade de quem a constrói. Eu gosto de pessoas, isso posso dizer. É por causa de pessoas que eu resolvi fazer o que faço – e fazer o que faço é também, sempre, uma tentativa de me conectar com os outros.

Rafael, espero que você tenha gostado dessa experiência no cinema e continue a fazer mais filmes. Já tem algum projeto em andamento?

“45 Dias Sem Você” é a primeira parte de uma trilogia informal, que eu chamo de Trilogia dos Corações Sentimentais. Os outros dois filmes já foram produzidos e estão em finalização. E os três se conectam pela temática (amor na juventude) e por determinados recursos e interesses narrativos, como a música, as referências a outras obras de arte, os personagens de sexualidade fluída etc.

“Música Para Cortar Os Pulsos”, o segundo filme, deve ser lançado no segundo semestre desse ano. E “Meu Álbum de Amores”, o terceiro, em 2020.

Ainda em 2019 eu filmo um outro longa-metragem, que representa uma guinada de temas e estratégias. Será um drama familiar, protagonizado por Andrea Beltrão. E em 2020 volto ao teatro.

Mal posso esperar para assistir esses filmes! Rafael, obrigado pela entrevista!

Leia a nossa crítica do filme “45 Dias Sem Você” – clique aqui

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