O prólogo de Escolha ou Morra (Choose or Die) já indica se você vai gostar do filme ou não. Você consegue embarcar na ideia de um game que faz as coisas acontecerem na realidade? Hal (Eddie Marsan), um homem de meia-idade vidrado por notalgia dos anos 80, descobre que o jogo que ele recentemente encontrou interage com ele de verdade. Mas o pior é que cada etapa propõe um desafio, e este afeta fisicamente a ele mesmo ou a outras pessoas. No caso, a pergunta “a orelha dela ou a língua dele” se refere aos membros de sua esposa e de seu filho. É uma proposta típica da série Além da Imaginação (The Twilight Zone, 1959-1964), criada por Rod Serling. Os enredos fantásticos da série nos levavam a encarar situações inimagináveis (como sugere o seu título nacional), mas só funcionavam porque se resolviam rapidamente, em episódios de trinta minutos.
Já esse longa de estreia do diretor Toby Meakins repetirá, com menos sucesso, o processo narrativo de A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street, 1984). Inclusive, homenageando-o com a presença de Robert Englund no elenco, interpretando a si mesmo (mas só através da sua voz). Tal como no filme de Wes Craven, Escolha ou Morra tenta divertir o público variando os desafios mortais do vilão, que aqui é o game.
Modos de morrer
A protagonista é Kayla (Iola Evans), que acessa o jogo depois que seu melhor amigo, o nerd Isaac (Asa Butterfield), o encontra entre velharias eletrônicas. O roteiro se esforça em construir uma personagem principal sólida. Assim, ela é uma garota de classe baixa, que trabalha com limpeza à noite para sustentar a mãe, traumatizada pela morte do irmão de Kayla. Além disso, um traficante de drogas induz a mãe ao vício, e ainda quer pagar para fazer sexo com a jovem. Sendo uma especialista em programação, ela pensa que vencer o game pode mudar a sua vida.
A violência é explícita. Nesse sentido, a cena mais forte está no primeiro desafio de Kayla, quando o jogo força uma garçonete a engolir cacos de vidro até morrer. Embora nem todos os “modos de morrer” sejam bem elaborados (ou realizados, como a morte de Isaac), o confronto final entre Kayla e Hal traz a interessante ideia de transferência de impactos. Em outras palavras, o que atinge um personagem não impacta nele, mas no seu adversário.
Os trechos finais mostram Kayla usando o jogo a seu favor, e o criador do game como o dono de uma grande corporação onipresente (a Kismet emprega Kayla e é a proprietária do imóvel onde ela mora). O filme, que já não era tão bom, se afunda com esses desfechos. Primeiro, porque quebra a construção moral da protagonista, que emprega uma solução violenta para resolver a questão do traficante. E, segundo porque recorre ao clichê, aqui forçado, da teoria da conspiração.
Anos 80
Além disso, Escolha ou Morra invoca a nostalgia dos anos 1980, tentando aproveitar a onda criada pela série Stranger Things. Contudo, não vai além de uma outra referência, como o citado Freddy Krueger, alguns pôsteres nas paredes, e o game em si, que se chama Curs>r. O personagem Hal poderia se aprofundar na música, no visual, e outros aspectos da época, já que ele é tão vidrado pelo tema. Mas o filme deixa escapar uma oportunidade de colocar um tempero interessante nesse insípido mix de Além da Imaginação com A Hora do Pesadelo.
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Ficha técnica:
Escolha ou Morra | Choose or Die | 2022 | 84 min | Reino Unido | Direção: Toby Meakins | Roteiro: Simon Allen, Toby Meakins, Matthew James Wilkinson | Elenco: Iola Evans, Asa Butterfield, Eddie Marsan, Robert Englund, Angela Griffin, Ryan Gage, Kate Fleetwood, Pete MacHale, Caroline Loncq, Ioanna Kimbook, Joe Bolland.
Distribuição: Netflix.