Em Está Tudo Bem, o diretor François Ozon revisita o tema de O Tempo que Resta (Le temps qui reste, 2005), seu filme que acompanha um rapaz com doença terminal. O diferencial aqui reside no fato de o enfermo, André Bernheim (André Dussolier), de 85 anos, prefere morrer a viver hospitalizado, após sofrer um AVC. Por isso, pede à sua filha Emmanuèle Bernheim (Sophie Marceu) que providencia sua morte.
Este drama seco, sem sequer trilha musical, contrasta com o ensolarado filme anterior de Ozon, Verão de 85 (Été 85, 2020). Desta vez, não há romance na trama. Pelo contrário, aqui o amor entre pai e filha possui um gosto amargurado pelo tratamento grosseiro que André dispensou a Emmanuèle, desde criança. E, que continua até hoje, inclusive com a outra filha, Pascale (Géraldine Pailhas).
Temperatura morna
Porém, apesar do que mostra os flashbacks recorrentes, e o pesadelo surreal de Emmanuèle, esse gosto de fel não impede que o amor alimente uma forte conexão entre pai e filhas. Por isso, Emmanuèle e Pascale viabilizam um meio de apressar a morte de André, em um plano para transportá-lo para a Suíça. No entanto, apesar dessa história triste, Está Tudo Bem cozinha tudo em banho maria, e o que poderia gerar forte dramaticidade só atinge temperatura morna.
O primeiro terço do filme foi muito mal adaptado do livro que a própria Emmanuèle Bernheim escreveu. Desde a internação, se sucede um constante entra-e-sai do hospital, acompanhando a protagonista. Isso deixa a narrativa movimentada, mas faz falta uma pausa para transmitir o que sente a personagem. A perspectiva de Emmanuèle é a principal da trama. Porém, é complicado nos colocarmos em seu lugar se o roteiro não permite que a conheçamos de fato. Os flashbacks não são suficientes para aprofundar o que originou suas mágoas em relação ao pai. Na verdade, temos a impressão de que não foi nada tão grave, pois não chega a existir uma ruptura entre os dois. Aliás, além de um convívio predominantemente harmonioso, ele retribui às filhas com a herança e com a confiança de seu último desejo.
Da mesma forma, Está Tudo Bem retrata superficialmente a relação conflituosa entre André e sua esposa Claude (Charlotte Rampling). Enquanto isso, seu homossexualismo se torna gradativamente evidente no filme. Mas, nem mesmo o agressivo ex-namorado de André consegue esquentar a trama. Na verdade, além da antecipação da morte, não há outro drama nessa narrativa.
Obviedades
François Ozon ainda torna a história mais desinteressante quando apresenta obviedades enervantes. Por exemplo, o quadro com uma pintura de paisagem suíça na parede do hotel onde Emmanuèle encontra a representante da organização (vivida por Hanna Schygulla) que tornará possível a morte do pai nesse país. Ou, então, o detalhe da mão de André quando ele comenta que não poderá mais tocar piano. Pior ainda, na cena em que o pai diz a Pascale que essa dificuldade que eles passam para abreviar seu sofrimento renderia uma boa história para o livro que Emmanuèle quer escrever.
Nesse sentido, ainda que possamos concordar com André sobre a dramaticidade de seus últimos dias, sem elementos que possam enriquecê-la, essa ideia não rende um bom longa-metragem. Apesar do título, nada está bem nesse filme. Aliás, nem a tradução para o título nacional. Afinal, Está Tudo Bem deturpa a frase “Tudo Correu Bem” do original, que ecoa na fala da personagem de Hanna Schygulla.
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Ficha técnica:
Está Tudo Bem | Tout s’est bien passé | 2021 | 117 min | Direção: François Ozon | Roteiro: François Ozon, Philippe Piazzo | Elenco: Sophie Marceau, André Dussollier, Géraldine Pailhas, Charlotte Rampling, Hanna Schygulla, Eric Caravaca, Grégory Gadebois, Judith Magre, Jacques Nolot.
Distribuição: Califórnia Filmes.
O filme está no Festival Varilux de Cinema Francês, que acontece entre 25 de novembro e 8 de dezembro de 2021.