Pouco depois de Greice, longa de Leonardo Mouramateus com Dipas, ator que insere um humor inusitado na parte cearense do filme, chega Estranho Caminho, longa mais recente de Guto Parente e o surgimento de um personagem, Geraldo (Carlos Francisco), pai do protagonista David (Lucas Limeira), com alguma das falas mais espirituosas do cinema contemporâneo brasileiro.
Os exemplos são muitos, convém não adiantar. Basta dizer que é um dos maiores triunfos recentes do naturalismo de atuação e dos diálogos escritos com aquela consciência de que o cinema sempre buscou a fidelidade ao modo como as pessoas comuns falam, mesmo quando, vistos de longe, os filmes parecem recitados, teatralizados demais, num engano causado pela ação do tempo.
As falas de Estranho Caminho, principalmente quando envolvem o pai Geraldo ou a companheira portuguesa (entre David e seus amigos o resultado não é tão feliz), dão um passo além nessa busca e alcançam aquele raro efeito de câmera escondida que temos em alguns dos filmes mais realistas, mesmo que neles coisas estranhas, que desafiam o realismo, também aconteçam.
Mas esse mesmo personagem é responsável por uma operação arriscada, relacionada a uma obra-prima do cinema japonês: Contos da Lua Vaga (1953), de Kenji Mizoguchi. Quem for rendido por essa operação, tem tudo para aceitar o filme como um todo. Quem estranhá-la, corre o risco de perder o filme em seu coração. Guto Parente pensou ser capaz de correr o risco e sair ileso.
Apostou certo, embora não estivesse muito certo disso: o diálogo reiterativo no final entrega a operação. A alusão ao Pickpocket (1959) de Robert Bresson, desde o título, é um despiste, e pode ser até inconsciente. O filme remete mesmo, o que também pode ser inconsciente, ao Mizoguchi.
Um filme simples
Estranho Caminho é um filme simples. David volta a Fortaleza, onde nasceu e cresceu, porque seu primeiro longa vai passar num festival. Mas chega poucos dias antes de o país mergulhar na pandemia da Covid 19. A pousada onde foi colocado fecha porque seu dono ficou doente. Como não tem para onde ir, apela para o pai, com quem não fala há dez anos.
A estadia na casa do pai não é fácil. O sujeito é o mau humor em pessoa, o que nos rende boas risadas. Aos poucos ele descobre que por trás da casca grosseira há muitas nuances. Terá tempo de descobri-las. Uma viagem de autoconhecimento, assim, é o que o filme nos mostra. David encontra no pai um pouco de sua história. A volta à terra natal é um reencontro com algo que ele tinha perdido, e esse reencontro é bonito de se ver.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
Estranho Caminho | 2023 | Brasil | 83 min | Direção: Guto Parente | Roteiro: Guto Parente | Elenco: Lucas Limeira, Carlos Francisco, Tarzia Firmino, Rita Cabaço, Renan Capivara, Ana Marlene, Fab Nardy, Noá Bonoba, Jennifer Joingley, Déo Cardoso, Larissa Goés, Mumutante, Solon Ribeiro, David Santos, Pedro Breculê, Gabriel de Sousa.
Distribuição: Embaúba Filmes.
Ficou interessado? Então, prepare-se: o filme Estranho Caminho está na programação do MUBI FEST. Depois, o filme entra em cartaz nos cinemas em 2 de agosto de 2024.