O ator Viggo Mortensen estreia na direção com Falling: Ainda Há Tempo (Falling, 2020). É um filme pessoal, cujo roteiro ele também escreveu, e que dedica aos seus irmãos Charles e Walter. A trama retrata, sem indulgências, o sacrifício ao qual um homem se sujeita para cuidar de seu pai que sofre de demência.
“Desprezível”, a primeira palavra dita no filme, determina a razão pela qual John Peterson (Viggo Mortensen) sofre tanto na companhia do pai. À parte sua doença, Willis (Lance Henricksen) representa um tormento para seu filho por ser uma pessoa desprezível. No passado, agredia sua esposa, que, por isso, fugiu de casa com os dois filhos. A cena em que Willis ensina John, com uns seis anos, a caçar um pato com uma espingarda exemplifica o quanto ele quis que seu filho fosse parecido com ele. Mas, por ironia, o racista, homofóbico e preconceituoso Willis precisa engolir que John se casou com Eric (Terry Chen), um homem descendente de pai chinês e mãe havaiana.
O filme mostra Willis como uma pessoa intragável, que agride a todo mundo com suas grosserias preconceituosas. A partir de certo momento, John se assemelha a um santo, seja por sustentar um amor incondicional, ou por aceitar seu sacrifício como um mártir. A trama não permite nem a justificativa de agradecimento pela infância e juventude, pois os recorrentes flashbacks só demonstram o quanto Willis foi sempre um pai bruto e intolerante. De fato, o único resquício de humanidade dele transparece no relacionamento carinhoso que ele compartilha com a neta Mônica, menina adotada por John e Eric.
Fantasmas do passado
Acima de tudo, o roteiro escrito por Viggo Mortensen parece exorcizar os seus fantasmas do passado. Afinal, traz uma visão unilateral a respeito de um homem sem dignidade, um daqueles tipos que nem vale a pena conhecer. Com isso, o enredo soa demasiadamente maniqueísta, a ponto de o público preferir que o filho desampare o pai não merecedor.
A respeito disso, Mortensen explica: “A ideia para Falling: Ainda Há Tempo veio quando eu atravessava o Atlântico, num avião, após o funeral da minha mãe. Eu não conseguia dormir, e minha mente só pensava em diversos momentos da história dela e da minha família. Eu senti que precisava descrever esses episódios, por isso escrevi diversas cenas aleatórias e diálogos da minha infância. Quanto mais escrevia sobre minha mãe, mais pensava no meu pai. Porém, o que eu trouxe para o filme é uma história ficcional de uma família que têm algumas coisas em comum com a minha.” 1
Direção
Apesar do roteiro enfraquecido pelo rancor de Mortensen, Falling: Ainda Há Tempo ganha uma sobrevida pela sua competente direção. Nesse quesito, Mortensen se esmera para filmar imagens repletas de significados. Ao longo do filme, surgem planos curtos não diretamente relacionados à cena, com simbolismos como o dos pássaros aguardando o alimento que a mãe traz. Ou closes muito próximos aos personagens, que se adequam à intimidade da trama, ou momentos que convidam à reflexão. Aliás, na conclusão, quando vemos John no posto de piloto de avião, sua profissão, com um olhar compenetrado, sentimos que ele está em paz consigo mesmo, pois cumpriu seu dever como filho.
No entanto, o filme opta por não entregar todas as respostas ao público. Além disso, não colore sua situação sacrificante com falsos tons de empatia. É pesado, amargo, e não foi feito para agradar. Enfim, o roteiro responde a uma necessidade pessoal do seu realizador que, pelo menos, se revela um diretor competente.
1 Fonte: divulgação
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Ficha técnica:
Falling: Ainda Há Tempo | Falling | 2020 | Reino Unido, Canadá, EUA | Direção e roteiro: Viggo Mortensen | Elenco: Viggo Mortensen, Lance Henriksen, Terry Chen, Gabby Velis, Sverrir Gudnason, Hannah Gross, Laura Linney, Carina Battrick, Ava Kozelj, Bracken Burns, David Cronenberg.
Distribuição: California Filmes | Estreia: 02/12/2021 nos cinemas.
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