Poster de "Família"
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Família

Avaliação:
7/10

7/10

Crítica | Ficha técnica

Inspirado no livro de memórias “Non sarà sempre così”, de Luigi Celeste, o filme italiano Família leva para as telas momentos marcados pela violência da vida do autor. A origem desse fenômeno é o comportamento abusivo do seu pai, Franco, o que fica subentendido no prólogo com imagens distorcidas representando lembranças dolorosas de Luigi e seu irmão Alessandro. Os dois, ainda crianças, ouvem (mas não veem), através da porta do quarto, o pai agredindo a mãe Licia.

Um dos aspectos desse cenário de violência doméstica que o filme trabalha enfatiza a dificuldade psicológica de Licia de se afastar de Franco. Longe da presença dele, ela é capaz de requerer judicialmente remover o nome do pai dos registros cartorários. Porém, sempre que ele se reaproxima, ela acaba acolhendo-o. Em parte, por temer uma reação agressiva diante de uma resposta negativa. Mas, também por compaixão, pois acredita que ele sinceramente se arrepende de seus atos. Isso, o enredo mostra numa cena em que ele afirma expressamente sua promessa de mudança de comportamento. Porém, ele sofre de um distúrbio patológico, pois a trama revela que, de um instante a outro, ele perde seu controle. Depois, se arrepende novamente.

O enredo também esboça a influência que a criação exerce sobre a personalidade. Luigi, no início de sua fase adulta, entra para uma organização fascista, que canaliza aquela violência da sua infância conturbada. Andar em bando parece legitimar seu comportamento agressivo. Não demora muito para ele fazer besteira em uma briga entre gangues. Sem esmiuçar os detalhes, Franco e Luigi compartilham um elo fundido pela ira. Na prisão, Luigi recebe a visita do pai, e os dois se aproximam, abrindo caminho para a reunião com Licia (que refuta de início, depois aceita) e Alessandro (que sempre se mantém contra).

Recursos diversificados

O diretor Francesco Costabile, neste seu segundo longa ficcional, procura se afastar do drama clássico utilizando recursos diversificados. Em alguns dos momentos de fúria de Franco, como na sequência inicial, Costabile limita o enquadramento, deixando-o com uma forma próxima de um hexágono, e desfoca parcialmente as imagens. Esse efeito retorna na parte final, enfatizando que o perigo ainda ameaça a família. E, também, numa relação sexual consensual entre Licia e Franco, talvez para deixar subentendido que o marido ainda representa um risco.

O uso do reflexo distorcido de Luigi em um labirinto de espelhos de um parque de diversões indica que o rapaz também está se transformando num monstro. Segue os passos violentos do pai, ao se juntar aos fascistas. Na mesma cena, dois espelhos lado a lado revelam que ele ainda está dividido sobre qual rumo tomar.

O uso do enquadramento se destaca em alguns trechos. Por exemplo, já na parte final, Luigi e sua ex-namorada se reencontram. Cada um está de um lado da tela, e entre eles há uma parede separando-os. Além disso, acima deles, há uma abertura de cada lado simetricamente posicionadas acima de suas cabeças. Essa disposição expressa que os dois ainda não reataram o relacionamento deles.

Ainda sobre o uso do enquadramento, quando Franco admite seus erros e afirma seu arrependimento, aos prantos, diante de Licia, a câmera filma apenas a reação da mãe. Provavelmente, essa escolha do diretor derive de sua intenção de evitar que o público crie empatia com o pai. Aliás, opção que funciona muito bem.

Ousadias

Em dois registros mais ousados, Francesco Costabile marca o fim de duas fases da vida de Luigi. A primeira, quando ele e o irmão são enviados para o orfanato e o pai preso, o diretor filma, em câmera lenta, Luigi correndo pelas ruas. O efeito mistura poesia e dramaticidade. O outro registro estabelece a saída da prisão de Luigi, destacada pelo seu olhar rápido para a câmera. Esse recurso, muito usado para revelar uma cumplicidade, manifesta o perdão que o protagonista pede por conta do crime que cometeu, e pelo qual cumpriu pena.

Por fim, destaca-se também outra opção não convencional. Na derradeira agressão de Franco a Licia, Luigi tenta intervir. Mas, mesmo adulto e já capaz de enfrentar o pai fisicamente, ele se sente apequenado, sentimento reminiscente da relação pai-filho de outrora. Na tela, a versão adulta de Luigi conversa com sua versão criança, imagem muito forte que confirma o trauma de infância agora prestes a ser resolvido.

Mas, o confronto entre Luigi e Franco, clímax do enredo, frustra as expectativas. Talvez para ser fiel aos acontecimentos, não é um encontro bombástico. O estado emocional dos dois está contido, e o pai repentinamente já está disposto a se sacrificar de forma trágica pelos seus erros, para evitar que as agressões, que ele sabe que não consegue controlar, não se repitam. A cena parece retratar o que aconteceu de fato, mas na obra ficcional essa escolha acabou com o potencial dramático da conclusão.

Família chega aos cinemas no dia 6 de fevereiro, mesma data de estreia do longa nacional Os Sapos, de Clara Linhart, que também fala sobre relações abusivas.

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Ficha técnica:

Família | Familia | 2024 | 119 min | Itália | Direção: Francesco Costabile | Roteiro: Francesco Costabile | Elenco: Francesco Gheghi, Barbara Ronchi, Francesco Di Leva, Marco Cicalese, Francesco De Lucia, Tecla Insolia, Enrico Borrello, Giancarmine Ursillo, Carmelo Tedesco, Edoardo Paccapelo.

Distribuição: Imovision.

Trailer:

Barbara Ronchi em "Família"
Barbara Ronchi em "Família"
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