“Francofonia: Louvre sob Ocupação”: uma nova ousadia de Alexandr Sokurov
O diretor Alexandr Sokurov é ousado. Em 2002, filmou “Arca Russa” (Russkiy kovcheg), um filme com 1h39min e vários atores, em um único plano-sequência. Agora, com “Francofonia: Louvre sob Ocupação”, subverte o gênero documentário a tal ponto que torna difícil sua classificação.
O foco é o Louvre no tempo em que os nazistas tomaram Paris, e as discussões sobre a preservação de obras de arte e dos próprios museus, abordando também o que aconteceu no resto da Europa e na Rússia. Com a posição de um observador de fora, o soviético Sokurov destaca que o presidente francês da época, apesar de ser descendente de Napoleão Bonaparte, assume uma atitude covarde ao comprar a paz pagando os alemães com praticamente metade do território do país.
Soluções não ortodoxas
Para contar esse fato histórico, o diretor, que também é o roteirista, utiliza soluções não ortodoxas. De pronto, assume a narração como ele mesmo. Então, acompanhamos sua tentativa de se comunicar com um amigo que se encontra em alto-mar, transportando obras de arte de um museu, enquanto enfrenta uma tempestade. Esse diálogo, que continua durante a projeção do filme, coloca em questão a importância das obras frente às vidas humanas – um tema essencial para o assunto de “Francofonia: Louvre sob Ocupação”.
As imagens incluem películas oficiais e amadoras capturadas durante a época da ocupação nazista, mas também trechos filmados agora, cuidadosamente trabalhados para criarem uma identificação visual com o material antigo. Quando há a primeira transição de imagens do Louvre circa 1939 para as atuais, o espectador só nota quando, no centro do pátio, aparece a pirâmide de vidro, inaugurada posteriormente em 1989. Os interessados em história apreciarão em especial a montagem da evolução da construção do Louvre, começando a partir de prédios erguidos como castelos.
“Francofonia” se apoia na narrativa de contação de estórias ao incluir os personagens Jacques Jaujard, diretor do Louvre daquela época, e Franz Wolff-Metternich, o militar nazista encarregado de ocupar o Louvre. Apesar dos lados opostos na guerra, os dois criam um sentimento de mútuo respeito, fundamentado pelo comum interesse pela preservação das obras.
Napoleão Bonaparte
Adicionalmente, a fantasia também entra no filme, através das aparições de Napoleão Bonaparte e Marianne. De um lado, o líder francês ressalta que o Louvre nasceu para abrigar os troféus de suas conquistas, tomados de outros povos. Assim, claramente, se assume como o dono do museu. Já a moça personifica os princípios de “liberdade, igualdade e fraternidade”, palavras constantemente repetidas por ela. Assim, além dos ideais opostos desses dois fantasmas, eles colidem também com o momento de ocupação da França por inimigos. Sem aparecerem a todo instante, surgem em momentos diversos, como se representassem os ideais que devem ser observados mesmo em tempos extraordinários, como durante a guerra.
Por outro lado, “Francofonia” assume, com menções de Sokurov sobre a filmagem na narração e com imagens da claquete antes de algumas tomadas, a metalinguagem. Desta forma, coloca o espectador como participante da construção desse singular documentário, se é que podemos classificá-lo nesse gênero cinematográfico. Com isso, ainda levanta discussões sobre o valor da arte. Afinal, os nazistas prestaram especial cuidado às obras, enquanto dizimavam judeus em campos de concentração.
A fim de esclarecimento, vale notar que o termo “francofonia” significa a comunidade das pessoas que adotam a língua francesa. Por exemplo, parte do Canadá, da Suíça, das ex-colônias da França, etc. além do país original.
Ficha técnica:
Francofonia: Louvre sob Ocupação (Francofonia, 2015) 88 min. Dir/Rot: Alexandr Sokurov. Com Louis-Do de Lencquesaing, Benjamin Utzerath, Vincent Nemeth, Johanna Korthals Altes, Catherine Limbert.
Assista: Entrevista com o diretor Alexandr Sokurov