O filme Fratura conduz com consistência o espectador e instiga-o a vê-lo de novo.
Ray viaja com a esposa Joanne e a filha de seis anos Lucy por uma estrada pouco movimentada no interior dos EUA. Param em um pequeno posto de gasolina para abastecer o tanque e comprar pilhas novas para o aparelho de música da criança. Mas Ray se descuida por segundos, e Lucy cai do alto de um local em obra e o casal parte às pressas para levá-la a um hospital
Então, Ray gradativamente começa a desconfiar que o hospital usa os pacientes para retirar órgãos humanos para venda. Ele vê como indícios dessa atividade criminosa o balão de gás similar ao que atraiu a sua filha para o local do acidente, homens levando geladeiras portáteis para uma ambulância, sacos plásticos grandes sendo despejados, etc. Além disso, o atendimento é demorado e fazem perguntas estranhas para a internação da menina.
Por sinal, seu receio parece se concretizar quando no início da manhã ele pergunta pela filha e não há registro de sua entrada no hospital. Ademais, os funcionários e médicos dizem que nunca viram a garota e a mãe. Ray precisa agora convencer a polícia sobre o desaparecimento delas, enquanto a psiquiatra do hospital quer convencê-lo que ele está confuso porque bateu com a cabeça no acidente.
Direção de Brad Anderson
O diretor Brad Anderson, acostumado a trabalhar em produções para a TV, adapta eficientemente o roteiro bem construído por Alan B. McElroy, cuja experiência maior também é na telinha. Fratura, filme realizado para a Netflix, mostra como esse background foi essencial para criar um filme consistente numa trama sensível a furos.
O filme assume a perspectiva do protagonista Ray desde o início, o que é vital para essa consistência. O único momento em que esse ponto de vista acompanha brevemente outro personagem é quando a psiquiatra reporta a sua avaliação sobre Ray para os médicos e os policiais. Essa alteração de perspectiva é necessária e importante para instigar uma dúvida no espectador sobre a desconfiança de Ray.
Mas tudo se encaixa desde o início do filme. Ray e sua esposa discutem no carro antes de pararem no posto de gasolina, porque Joanne diz que o marido não luta por nada. Essa acusação repercutirá em Ray quando ele dirigir a toda velocidade para o hospital, depois do acidente, e quando brigar com os funcionários do pronto-socorro. Nessas situações, fica evidente sua satisfação por estar tomando uma atitude, como Joanne espera.
Enfim, no posto, é crucial a cena em que ele decide comprar duas doses de bebida ao invés das pilhas para o brinquedo da filha. Sendo ele um ex-alcoólatra, essas bebidas podem provocar alguma reação nele. Dessa forma, isso coloca um pouco mais de dúvida do espectador sobre as atitudes de Ray.
Sem enganar o público
Aliás, como o filme sempre assume a perspectiva de Ray, o que surge como revelação no final não pode ser considerado uma enganação ao espectador. Manipulação, sim, porém não engana porque todas as imagens que vemos seguem o que o protagonista acredita. Adicionalmente, isso permite também que Fratura funcione como produção do gênero ação, ao retratar a luta desse homem para conseguir salvar a filha e a esposa a qualquer custo.
Por fim, na conclusão, o filme retoma o tom de suspense que foi criado no trecho em que a equipe do hospital afirma a Ray que sua filha e sua esposa não estão no hospital. Então, Fratura fecha com uma reviravolta que dá vontade de assistir ao filme de novo para conferir como todos os elementos se encaixam na trama.
Ficha técnica:
Fratura (Fractured, 2019) EUA. 99 min. Dir: Brad Anderson. Rot: Alan B. McElroy. Elenco: Sam Worthington, Lily Rabe, Lucy Capri, Adjoa Andoh, Stephen Tobolowsky, Lauren Cochrane, Shane Dean, Chris Sigurdson, Chad Bruce, Gabriel Daniels, Stephanie Sy, Marina Stephenson Kerr, Dorothy Carroll.
Um filme Netflix.