Desde o cartaz, Ghosted: Sem Resposta se apresenta como uma comédia romântica. Chris Evans conhece Ana de Armas. Ele, agricultor e vendedor de flores nas horas vagas. Ela, historiadora de arte, segundo suas palavras. Eles começam a se relacionar e o erotismo do primeiro encontro parece de filme censura livre quando comparado à própria Hollywood dos anos 1980.
Na fórmula, algo irá acontecer para introduzir um conflito aparentemente insuperável no romance. Quando o conflito aparece, percebemos a luta interna de um filme para uma alternância de gênero. Cinema de ação e espionagem à espreita do domínio territorial do filme.
Ele a segue até Londres e é raptado por homens maus, que o levam para outro lugar e começam a interrogá-lo com ameaça de tortura. Lembra o “Is it safe?” de Lawrence Olivier para Dustin Hoffman em Maratona da Morte (Marathon Man, 1976), de John Schlesinger. Quem salva o falso culpado da vez? Nossa heroína empoderada.
No momento seguinte, já dentro do outro gênero, Ana de Armas, aliás, Sadie, foge dos bandidos dirigindo um ônibus de turismo no Paquistão. Chris Evans, ou melhor, Cole, não pertence ao gênero, mas o gênero o acolhe e ele acaba matando alguns na traseira, na lateral, pendurado do lado de fora e sempre prestes a cair do ônibus.
Na ação, o casal parece não ter nada a ver um com o outro. Sadie até o ridiculariza pelas trapalhadas e pela falta de jeito no gênero (a falta de jeito na comédia romântica, pelo contrário, normalmente é vista como um charme). O filme precisa mudar novamente a chave para que o relacionamento tenha alguma chance de progredir.
Por outro lado, já vimos que ação e mistério, em Hollywood, geralmente é combustível para um romance duradouro. Mas quando nos acostumamos ao segundo gênero, surge um terceiro: a sátira. E é nesse campo que o filme finalmente acontece.
Uma sátira aos filmes de ação e espionagem, com caçadores de recompensa matando uns aos outros numa escalada absurda e o novo casal seguindo vivo e apaixonado, mesmo que não admitam, como que por milagre.
A necessidade de submissão a uma trama mais definida, como quase sempre acontece, limita as possibilidades satíricas. No meio do caminho, O filme se perde nas cenas de ação mais mirabolantes e se encontra novamente quando Cole é avacalhado por Sadie.
Obviamente, o sinal invertido em relação ao clássico cinema de ação é bem-vindo. Cole é um pamonha que muitas vezes mata por acidente, enquanto Sadie é preparada, inteligente, muito hábil no combate e boa de estratégias rápidas.
Pode-se argumentar que Ana de Armas tem o rosto muito juvenil para uma heroína de ação, e que Chris Evans está meio deslocado também no papel. Aliás, quando pensei que era um papel mais talhado para Ryan Reynolds, com seu sorriso bobo e cínico, ele aparece com uma pequena participação.
De algum modo, a bagunça de gêneros se encaixa minimamente bem para que o filme seja visto sem desprazer, sobretudo nos momentos em que chuta o balde na sátira.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
Ghosted: Sem Resposta | Ghosted | 2023 | 116 min | EUA | Direção: Dexter Fletcher | Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick, Chris McKenna, Erik Sommers | Elenco: Chris Evans, Ana de Armas, Adrien Brody, Mike Moh, Tate Donovan, Amy Sedaris, Lizze Broadway, Mustafa Shakir, Anthony Mackie, John Cho, Sebastian Stan, Ryan Reynolds, Anna Deavere Smith, Tim Blake Nelson.