A princípio, todos esperavam que Godzilla Minus One seria uma sequência do bom Shin Godzilla (2016), de Hideaki Anno e Shinji Higuchi. Inclusive para elucidar o que seria aquele final sinistro, com o detalhe do rabo do monstro feito de vários corpos humanos. Mas o novo filme da Toho se passa logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Por isso o título, que faz referência ao uso de “Ano Zero”, como o reinício dos países devastados pela guerra. No filme, o Japão começa no negativo, pois além da guerra vem também o Godzilla, decorrente das bombas nucleares. Mas Godzilla Minus One mantém a proposta de uma versão atual bem japonesa, próxima do conceito original, do monstro como uma ameaça.
O protagonista Koichi Shikishima é um piloto kamikaze que foge de sua missão. Mas pousa numa ilha com um posto militar japonês onde Godzilla aparece. Novamente, ele se acovarda, e não atira no monstro quando surge a oportunidade. E, por causa disso, seus companheiros morrem. Koichi, volta, então, para a casa dos pais em Tóquio, mas eles morreram e todo o bairro está em ruínas. Ele acolhe uma jovem, Noriko, e uma bebê, Akiko. Para sustentar a todos, Koichi aceita o arriscado trabalho de recolher minas navais nos mares japoneses. Mas Godzilla reaparece diante dele e se dirige ameaçadoramente em direção a Tóquio. Em seu caminho, destrói uma cidade inteira. Parar Godzilla se torna a prioridade número um do país. É a oportunidade de Koichi se redimir de seus atos covardes com uma ação heroica.
Um filme japonês
O fato de Godzilla Minus One ser uma produção japonesa permite que o filme revisite alguns aspectos do filme original de 1954 de Ishiro Honda. Como o nacionalismo, ferido pela derrota na guerra e pela ocupação americana. O monstro Godzilla aglutina a presença estrangeira e os efeitos da bomba nuclear. Afinal, as explosões em Hiroshima e Nagasaki, e os testes nucleares, deram origem a essa criatura que agora invade o território japonês. Além disso, o herói do filme tem o orgulho ferido, como o próprio país – Koichi se acovardou e o governo militarista errou ao embarcar nessa guerra ao lado da Alemanha e da Itália. Portanto, derrotar Godzilla, sem a ajuda de outros países significa a redenção da nação.
O tom melodramático, muitas vezes exagerado, também reflete uma característica do cinema japonês. O protagonista Koichi sofre muito. Internamente, por causa de seu arrependimento por ter se acovardado. Mas, também, por sua nova família improvisada, Noriko e Akiko. Ele e outros personagens agem explosivamente, batendo com a cabeça na mesa, ou gritando e chorando em desespero. Não se trata de fraquezas do filme, mas surpreendem. Ponto fraco mesmo é o final feliz, que até prejudica esse melodrama que o enredo construíra até então.
Fortes emoções
Por outro lado, o filme é rico em momentos empolgantes na luta contra Godzilla. Tem o clímax do ato heroico de Koishi, o momento de ajuda coletiva das pequenas embarcações (episódio que lembra o fato retratado em Dunkirk [2017], de Christopher Nolan), e outros de levantar o público das cadeiras. A música empolgante e o som são elementos essenciais muito bem empregados aqui. E embora não repita o nostálgico uso de uma pessoa vestindo a fantasia do Godzilla e atacando miniaturas, como em Shin Godzilla, o filme de Takashi Yamazaki usa a computação gráfica procurando criar esse efeito. O efeito é grandioso, bem mais emocionante que as versões estadunidenses com o monstro.
Por fim, se essa sequência frustra quem esperava encontrar uma solução avassaladora sobre os corpos no rabo de Godzilla (o jeito é se acomodar com a ideia de que o monstro ficou assim por causa das vítimas dos resíduos nucleares, como o filme anterior já indicava), Godzilla Minus One se encerra com outro detalhe sombrio: a mancha que revela a radiação como uma herança desses bombardeios. Uma mancha que nunca se apagará. Provocador, melodramático e emocionante, esse é um dos melhores filmes já feitos com o Godzilla.
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Ficha técnica:
Godzilla Minus One | 2023 | 125 min | Japão | Direção e roteiro: Takashi Yamazaki | Elenco: Ryunosuke Kamiki, Minami Hamabe, Yuki Yamada, Munetaka Aoki, Hidetaka Yoshioka, Sakura Ando, Kuranosuke Sasaki.
Distribuição: Sato Company.
Assista ao trailer aqui.